terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

À noite


Uma formiga passou
a noite desceu sua cortina
um táxi trouxe seu cliente
alguém apanha um pacote no supermercado
um mendigo cutuca o lixo
o médico põe a mão na testa do paciente

um ônibus breca
um ônibus breca
um ônibus breca

o sinal fica verde
o ar condicionado funciona
um conhecido no telefone toca, chama
um amigo fica mais querido, não chama

minhas mãos vazias querem o universo
o universo não se importa com mãos
a vida não se importa com mãos
ninguém se importa com nada, nada nas mãos
as mãos não se querem mãos

o vento não tem nada com isso
suas mãos são aéreas, flutuam
desarrumam a vida, levantam folhas na brisa
os rapazes sabem que agradam
pois, as camisas se abrem nas brisas

as meninas são inseguras
saias flutuam ali como as camisas na brisa
a atração move o mundo
movimento é o mundo
atração move o mundo
movimento é atração que faz o mundo
mundo,mundo,mundo

mas, hoje estou sòzinho
um grilo pula, cricrila
a mulher segura o cabelo
um carro buzina, freia, corre, acelera
e eu estou à olhar pela janela, as mãos vazias

continuo sòzinho
os grilos não, fecundam o silêncio
e o mundo não ouve
vislumbro um vazio
é o mundo que não se importa
com o que houve sòmente

a noite me dá as suas mãos
tão grandes e frias quanto o mundo

que bom que existem grilos
e eles podem daqui pular





É tão simples escrever qualquer coisa
porque qualquer coisa pode ser como uma nuvem
pode ser como uma senhora a molhar suas plantas no quintal
pode ser como aquele operário que todo dia quebra a minha soleira

mas, essa qualquer coisa, para mim
não é uma simples qualquer coisa
porque é preciso que ela diga mais alguma coisa
sobre o que vem à mim
como vem uma brisa qualquer

então, se não é qualquer coisa
mas, qualquer coisa com algo mais
se entende que é alguma coisa
alguma coisa que tem um aproximar próprio
porque, senão, não a perceberia assim
e sim como qualquer coisa
e não teria uma cor, um som, um significado diferente
mais como uma alguma coisa ou aquela coisa

nada é tão simples para ser qualquer coisa
por exemplo, esse silêncio agora não é qualquer coisa
é como minha coberta, meu lençol, uma respiração
ou minha segurança de que poderei ouvir à mim mesmo
tem um função de dizer para mim que eu posso ser eu

e é tão difícil ser apenas alguém
e mais ainda ser eu
porque sinto que não sou nada
e qualquer um é sempre alguma coisa

mas eu não, sou aquele nada
porém, um nada que olha para cima e se vê tranqüilo
calmo em saber que ninguém também é mais do que nada
e é tão grandioso ser nada como ser um rei
que também não é nada
embaixo desse azul noturno, escuro, dormente
essa noite que nos achata, mas nos conforta
por ser tão familiar e indecifrável, inesperada, distante,
quase também nada

e nós também podemos o ser e somos
esses infinitos nadas
ou nadas
que são como oportunidades
de se diferenciar do seus nadas diários

Eu agora, por exemplo, sou um desses
um que escreve com sono
e fecharei os olhos feliz
de me abrir à qualquer coisa que se chama: não sei!
Não me incomoda!
Não é nada!

Em mim 2


- Bom dia!
- É você de nôvo?
- Tem problema?
- Não é isso!
- É o quê?
- Nada!
- Você não quer conversar.
- Até parece!
- Tá vendo lá fora?
- Não quero ver.
- É isso, eu pressuponho.
- Se sabe, o que que está estranhando?
- Você tem razão.
- Será?
- A vida é um circo maluco!
- E não está afim de entrar na jaula do leão!
- Claro!
- Mas não é preciso!Fica do lado de fora!
- E se a porta se abrir?
- Chama o domador,usa o chicote, o banquinho!
- Hummm! Você é esperto mesmo! Sei!
- Não debocha!
- É, e a gente se apóia aonde? Na ilusão?
- Tudo é ilusão!
- Você conversar comigo também é ilusão!
- Eu não estou conversando. Talvez, depois.
- Então pra quê tudo isso?
- Só pra te dizer bom dia!
- Bom dia!
- Bom dia ,querido! (risos)
-

Em mim


- Não posso,...posso?
- Posso
- Eu devo?
- Devo.
- É possível?
- É, talvez. O que não é?
- O que não foi.
- Certo.
- Mas, não tanto assim,é?
- Perfeito!
- Não desisto, contemplo...oportunidades.
- Desde que se tente!
- Tento.
- Isso, vai!
- Mas, pra onde?
- E eu sei? Acaso...é a lei! Aproveite!
- Quem saberá?
- Quem tenta!
- É risco!
- A vida é risco!
- Chega!
- E ficar assim?
- Assim como?
- À ver navios. Me ajuda!
- Estou tentando!
- Às vezes eu travo!
- Deixa que eu te empurro!
- É, tenho de descobrir novas coisas.
- Faça-as possíveis!
- O tempo está passando.
- Talvez, à seu favor!
- Muito papo!
- Você quiz!
- Tem razão.
- Agora me deu sono.
- Em mim também.
- Boa noite!
- Dorme bem!
- O mesmo pra você!
- Ei!
- O quê?
- Obrigado!
- Não tem de quê!
- Te adoro!
- Eu também!
- Chega!
- É.Tchau!
-

Enquanto não vem o dia

Se uma flor bela

                                                                                                                                                                                                                                    foto de Rufen


Se uma flor bela me espancasse
talvez eu compreendesse
o que meio que me tragasse
sinistro fosse,
deletaria o que viesse

Então, tá ligado no que a vida fala
se uma simples flor bela
à mim se atrevesse a levantar uma simples pétala
uma coisa leva à outra que à outra leva

Vamos dizer que isso
tipo assim nunca acontece
Porém, na vida o que é mega impossível
não é nenhuma garantia
nem a quem merece

Se uma flor não fosse só bela
como um amor que nunca se viu
e além disse espancasse
como a vida cresce
Não me espantaria
nem mudaria o que espero que sou
nem se eu quizesse

Sou diferente
embora conheça esse mundo crú
Mas, há gente que diria
I know
It's only rock'n roll
But I like, I like
Yes, I do.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Pingos



                Somos
                como um pingo de chuva.
                Sim, grandes
                como um pingo que cai.
                             
                A vida,em seu percurso,
                é como esse pingo também.
                Isso me estarrece
                um vaporzinho de nada
                que se condensa
                e se precipita até lá em baixo.

                 E, às vezes,
                 fica dependurada nos gravetos
                 pelo sereno, nas folhas,
                 uma ilusão de umidade
                 que vem de algum lugar
                 e se equilibra.

                 Cresce um pouco,
                 se ainda chove,
                 se acumula
                 orgulhoso de sua condição
                 de artista em silêncio
                 que talvez não seja orgulho,
                 mas consciência de seu destino
                 ou, com certeza,
                 da inocência
                 da pureza cristalina
                 pronta para o sacrifício.

                 Toma coragem e plim.
                 Lá se foi a se espatifar
                 no chão, a matar a sede
                 do mundo com seu nada.

 
           

           
                O céu não se lamenta
                e prepara já,
                lá no alto, outra
                a lhe ocupar o lugar.

                 Faz o eterno
                 o efêmero,
                 e o lança, vai,
                 desafia o abismo.
                 É.





O que...



                                          o que há em mim
                                          que não é dúvida?
                                          o que há em mim
                                          que não passa?
                                          o que há em mim
                                          que não sou eu?

suspiro e me questiono
diante do cataclismo
tenho defronte o desperto e o sono
o abismo, o puro e o desejo
mas que não é tudo que vejo
e hesito, não me domo

me confundo no labirinto
se o que era luz era razão
se o que era o insano, sombra
se o que era o claro em mim, névoa turva
e me escondo em incomoda soma

só a Verdade existe
o Nada não é
nunca foi ou será
é Ausência
é mentira
o que não existe
                                              o que está de mim perdido
                                              por tantas portas do esquecido?
                                              surgirá aqui de novo
                                              à risco, o ressurgido?
                                              crio, me procuro
                                               até não mais ser
                                              o que há em mim
                                              que não é nascer por mim?

acima, as belas trevas
não são negras
cintilam e me olham
desenham tanto mistério
não são trevas
ali o Que que nos fez também está
transsomos
não há fim
só movimento
transformação
caminho
vamos!


Silêncio ( para Clarice Lispector )

                                                                                                  
 

Confissão