sexta-feira, 19 de março de 2010

A vida é mesmo muito curta



A vida é mesmo muito curta!

Acho que é de repente que a gente cai na real que a vida é mesmo muito curta. Parece que foi ontem que andava no colo, engatinhava entre as pernas da mesa e das cadeiras da sala de jantar, que as gretas dos tacos machucavam os meu joelhos e mãos sujas, e chorava de fome até ganhar o peito doce da minha mãe, o cheiro de leite, perceber que eu não entendia nada o que as pessoas falavam - uma língua de sons abstratos, umas pessoas que eu mal enxergava; e a escolinha e a primeira professora, os álbuns de figurinhas, brincar no pátio de tarde, pular corda, pique-cola, queimado. E as férias na fazenda, as redações mal acabadas, aulas de geografia, as notas da escola, brincadeiras com a turma, adolescências infernais, os bailes de quinze anos e ...ah! o primeiro beijo! Porque a gente não se lembra mais e melhor de coisas assim? Educação que a gente aprende namorando, aprendendo a lidar com as pessoas, a respeitá-las, procurando entender os caprichos do outro, ou da outra, ou do universo que se estende ali na sua frente como um tapete mágico para o país das maravilhas.

A vida é mesmo muito curta!

Aquela luta nas provas do vestibular. A aprovação inesperada, mas confirmando intimamente que você não era aquela negação que antes você pensava. As viagens para a roça, para os sítios. Estudar sobre as jaqueiras. Os discos voadores que apareciam sempre nas festas de São João. As primeiras festas alucinadas ao som de muito rock, os primeiros discos, correr para ouvir Imagine do John Lennon, as doideiras e a formatura cheia de responsabilidades. Banhos de cachoeira. Escalar montanhas perigosas e desafiantes; e os churrascos nas fogueiras escondidas sob as sombras. Quando se é ainda jovem, tudo isso parece um parágrafo de uma enciclopédia sem fim ilustrada com as imagens mais coloridas da memória.

A vida é mesmo muito, muito curta

Foi tudo tão veloz! Parecia que vivia numa onda que eu surfava, a maior onda do planeta e ficava eufórico até chegar na praia, sentindo que tinha vencido um grande desafio! Mal sabia eu! E depois da formatura o primeiro contrato, mais estudos, mais trabalhos. Sair da casa dos pais e o primeiro apartamento inteiramente seu, o paraíso, mas cheio de vizinhos loucos ao redor! O primeiro namoro sério, a primeira decepção e mais trabalho, mais trabalho. Como a gente sofre quando quer chegar ao céu subindo num banquinho. Ainda bem que a gente saía de noite. Encontros calientes, cinema no fim de semana e as responsabilidades com os seres que amamos. Noites sem dormir, carros desabalados, mais trabalhos torturantes, tristezas e porres humilhantes. Raiva, stress, desabafos, equívocos e quebra- quebras, pazes, abraços, beijos e te amo.

A vida é cada vez mais e mais curta! Não é nada, uma coisica de nada, um pó voando nos redemoinhos dos becos.

E me lembro de você chegando à noite num fim de semana, buzinando, buzinando, se lembra? Eu gritava da janela esbaforido, ainda pelado e molhado do chuveiro, cheio de sabão, borboletas na cabeça, que eu ia já descer, que já estava pronto, que ia só por os sapatos, um instantinho só. Corria punha os jeans, o tenis e descia pelo elevador ventando, mas a alma subia como foguete. E quando chegava, você já ia gritando que estavamos muito atrasados, que ia ser a última vez. Eu, sorrindo, te abraçava chamava todos os anjos que passassem e te dizia no ouvido que te amava, e mais toda bobagem que me passasse pela cabeça e você sempre acabava rindo também, se lembra? Porque você sabia que eu que era a sua festa e você era a minha parada de sete de setembro, minha praia lotada no posto nove, meu oscar de melhor filme, e te dizia que, no futuro, você ia dizer que eu fazia tudo de propósito, só para depois me dizer aquela quantidade de loucuras, que dava para encher um compêndio bem pesado de maluquices, mas que ela ia adorar ter na mesinha de cabeceira o resto da vida. E minhas mãos avançavam audazes sobre a sua roupa e você deixava, se lembra? E daí, saíamos andando e pulando de nuvem em nuvem, de uma pra outra, entre o voo das andorinhas e dos pardais, flertando com o azul, flutuando e voando com os boeings e balões mágicos. Nós éramos nossos próprios super-heróis!

Nosso tempo não era nada e era um século, não era?

Se lembra da nossa primeira casa, as noites que ficavamos acordados, a tv ligada, enquanto você tomava café e lia um romance cabeça, e depois me contava o que estava acontecendo? Eu interessado encostava a minha cabeça no seu ombro e dormíamos sem saber a continuação nem do seriado e nem a do livro. E nem interessava, porque o que a gente queria saber era que continuavamos estar ali juntos, respirando quente no pescoço um do outro; e meus braços e minhas pernas te engolfavam como um polvo carinhoso, e só acordavamos depois de madrugada; quando você cismava de me dar um leite morno com canela para eu dormir melhor, se lembra?

E tudo nesse tempo já passava como um raio!

Mas agora o que restou? A vida, às vezes, é um tantinho assim. É a velocidade da luz, um piscar de olhos da galáxia. E como queria que você parasse ali, enquanto olhava como era bem desenhadas as tuas mãos, os teus pés, as orelhas. E te sussurava os segredos de nós dois, te soprava nuvens no seu ouvido e você ressonava, enquanto a sua mão apertava a minha, o seu corpo contra o meu, uma máquina de fazer pombos voando no céu de nossos sonhos. Era quando o nosso tempo parava e, até hoje, eu penso que estou ali, com você, mas você não está mais, desceu as escadas um dia, quando eu não estava. E a porta ficou aberta e os armários vazios, sozinhos. Eu entrei e fechei as janelas, desci a cortina e fiquei olhando a chuva correr nas pedras da calçada durante dias, semanas, meses. Não se lembra? Caí num buraco negro com tudo desabando por cima de mim - você, o trabalho, as minhas economias, o aluguel, o futuro, as promessas e o resto do mundo, me jogando de qualquer jeito num fundo de um poço sem fundo, negro, triste, impossível. Mas, o que vale é que um dia você voltou. E eu só te abracei e nos perdoamos e a lua apareceu cheia e luminosa, enquanto mariposas voavam em círculos em volta dos postes da vila imaginária de nossos amanhãs, se lembra?

Hoje penso em tudo que se passou!

E é tão louco saber que tudo, tudo foi como um trailer de um curta metragem de cinco minutos. E o mais chocante é que o que falta é só o tempo de limpar os restos de pipoca, checar a carteira no bolso, lembrar onde estacionou o carro, aonde deixar os amigos convidados pro cinema,lembrar de deixar dinheiro para a empregada pagar a entrega do pão e do leite, não esquecer de apagar a a luz da sala e da cozinha, beijar o retrato da mãe querida, deitar e apagar o abajour, rezar para que a próxima sessão seja de um filme de amor e de aventuras, em que você seja o mocinho e que dure por toda vida do universo, mas que não tenha um "happy end" e sim um "happy forever and ever". Sonhe feliz!

Penso
se não tem forma
forma-se branca nuvem
que faz então chover
esferas que caem
sobre as feras
que pensam
que somos
nós

ou
caem
sobre a terra
que enterra
o segredo
que nela
cresce
ali
e


cria
o verde
que faz vapor
inundando o céu
formando a nuvem
sem forma como
o que penso
que
nós
somos
e muito
além do que
penso, penso, penso,penso,penso,penso
senão...

Desatolados



Se eu pudesse, ao meu pensamento, lhe arrancar os pés do breu, 

seria só naquele momento que não pensasse em nada

e olhasse o céu.

Parece fácil assim dizendo, porque não é de quem lê tentar, mas é de

quem tem o ferimento e não sabe onde que pisa.

Se o pensamento até o alto se elevasse, com certeza a alma

o acompanharia.

E dependendo da entrega do meu ato, talvez até ele, com a rapidez da

luz, também flutuasse.

Assim, só me resta ir limpando o que penso, tirando de vez

os pés da lama.

É bem possível que assim não só carregue melhor meu fardo,

mas que também eu possa ir voando!



                                                                                                                          Foto de Parke Harrison


O que me apraz



A ansiedade é meu veículo motorizado. É, ele que é o meu transporte preferido que eu nem preciso fazer fon fon, porque sei que alguma coisa boa vai acontecer com a estrada livre pela frente. Eu entro e bato a porta, ligo a chave e pronto - estou indo de encontro à fortuna. Eu sei que o que quero vai logo aparecer. E como eu chego? Sei lá! Um pressentimento feliz que vem do não-sei-o-quê e não-sei-onde ou não-sei-como, mas que vai surgindo e eu sigo, persigo correndo, voando, além de quando eu passo a terceira. Me sinto numa corrida de grande prêmio de formula um. Só espero que não seja um delírio tolo, a compensar essa estrada acidentada, cheia de buracos, de mão única, porque o real não perdoa ultrapassagens e cobra um pedágio tão custoso em valia, que é melhor nem pensar em ser multado, porque aí, sim, é falência no duro. Isso não tarda a tirar qualquer sentido e qualquer graça que haja numa novidade que possa aparecer, que eu tenho vontade de até de cobrir o rosto com uma máscara de palhaço, daquelas bem absurdas, que fique parecendo uma ridícula fantasia de um hipopótamo atropelado pintado para o Carnaval, uma pretensa e patética criação de uma escola de samba para me castigar de tal abuso e representar minha humilhação. É como um vento que levanta a pipa de uma criança e de repente aumenta e sai embora carregando a bendita, enquanto uma criança, com cara de quem entornou o mingau quente no colo, a vê sumir na tarde entre as nuvens alegres e malandras do pôr-do-sol. Mas, não adianta. Talvez, a verdade dessa vez não doa e a pipa fique firme nas mãos do guri que corre na praça, dono do pássaro feito de papel de seda barato, com a cauda serpente de linha e tiras coloridas, que lhe acena como se dizesse que melhor é a coragem de fazer voar e que sem risco não há lucro, que tentar sempre abrirá vantagem sobre quem fica só olhando os outros correndo nas pracinhas empinando a mais linda pipa que planou sobre as suas cabeças. Então, percebo que a novidade talvez fosse saber só disso, não só sobre empinar pipas, mas a oportunidade de correr um risco, como eu tinha corrido pela estrada, o risco de saber que eu posso ser feliz como aquela pipa tremulando lá em cima, colorida, vitoriosa. Deitei, fechei os olhos e a ansiedade havia passado. Não precisava mais dirigir meu carro maluco. Lentamente o sono vinha. Me ajeitei sob as cobertas e pensei: - talvez em sonho eu veja o amanhã e que amanhã também será um sonho! Amanhã...amanhã...amanhã...Quem sabe? Soltem os carneirinhos!