domingo, 9 de maio de 2010

Às vezes






às vezes, penso em desistir de tudo

quando eu sinto que os pés não me obedecem

e se recusam a dar um passo adiante, por menor

que seja a distância a percorrer


lá fora tudo continua em seu ritmo atordoante

de planeta girando,de roda gigante, enquanto eu me travo

desordenado

como se tivesse construído uma gaiola imaginária

em torno de mim

daonde observo o que acontece

encolhido em um cantinho

absorto em delírios de impossibilidades e fatos extraordinários

e excêntricos que me surgem e se materializam

com os sons que escuto por trás das paredes da discrição

e percebo

que um mascote que late


que o vizinho que vê tv com o som nas alturas intergalácticas

enquanto, seu rosto em transe, faz parecer que dorme


um casal faz sexo como locomotivas num terremoto

voam risadas sobre o patético show


e eu

estou só






penso em desistir de tudo

e a noite não me ilumina

se acomoda em seus barulhos apagados

ou algazarras de farras invejadas

ou em sua colcha de céu apagado e indiferença

a embrulhar os casais sem surpresas

as famílias

e os solitários

os namorados

os desesperados

os alegres

as camas vazias

e os bêbados de cada  esquina


penso em desistir de tudo

mas como desistir de mim

desistir de ser

a não me entender como eu

pessoa à pensar

pessoa à agir

pessoa à rir

pessoa à correr

pelos dias procurando o próprio ser

que em sua pessoa existe

como existe a percepção

de que um carro sobe a ladeira

violinos musicam outros andares

o silêncio dos grilos na floresta

o roçar das patinhas de um inseto perdido num mato qualquer

a fazer cricri

musicando o escuro

e depois o nada






penso em desistir de tudo

porém, não de mim

mas, do que pensei

porque não lhe vejo os frutos

não lhe colho as sementes

não rego os brotos


então, resistirei e tentarei com as minhas mãos

desenhar o meu caminho ainda em folha rascunhada

sair do esboço

fazê-lo surgir até onde quero

revelar o mistério que perdi em alguma noite e que se esconde

inconformado

em algum bar, num último copo de insatisfação

cansado de esperar meu olhar

tenho fome de ser eu mesmo

tenho a ânsia de insistir, de tentar o destino a seguir

a permitir ao que se tem pela frente

delimitar o imensurável do acima

a sonhar sobre a minha angústia

até que ela se liberte do meu nada

e venha a ser mais um dia pleno

dentro de mim