segunda-feira, 21 de março de 2011

Como todo mundo


vai pro teu lugar, menino

que o mundo é logo ali

está aqui, esta lá

ou mais além

à sua espera

mas acha teu lugar, garoto, vai!

agora, anda!


a luz me cega

tudo me aperta

me expulsa

e sigo

vou para à luz!



figuras surgem

batem à porta, rompem a soleira

balbúrdia, festa, bebidas e delírios

e depois passa, todos se vão

e você fica

você mentiu

para si mesmo

você não foi você

mas outro alguém

e esse é o prêmio

todos se vão e você aí




continuo a preencher a imaginação

desaparecem presságios, pensamentos

um milhão de movimentos elétricos, tantos impulsos nervosos

todos me empurram para quem realmente sou

menos a visão

que ainda não é clara

não quero ver o que sempre foi claro como o céu

a se tornar infinito e diferente acima das árvores, pura verdade


lá, a lagoa formiga de reflexos

e os fachos de luzes

fenestram minha sensibidade de olhar

tantas paisagens vazias

a cair em cada célula da massa de células cinzentas

memorizo tudo, cada  graveto abandonado e cada seixo

memorizo olhares e trovões

estou vivo!

e apenas miro e sinto meu corpo a pulsar


a porta se abre

é a semana que vem

a vida, o acontecer enfim!

ou a fuga



me lembro de um dia

quando ainda era domingo

mas um domingo como um dia comum

pois, terça não era

e quarta também não

não sei porque acho isso

talvez, porque seja hoje domingo também

fogem-me as razões

na época pensava em como deixar de ser assim

como deixar de sentir

aquilo que não se pode alcançar

como aquela fruta lá em cima da árvore de minhas lembranças

era sensato renunciar a não ser eu

já que era chegar ao impossível

fugia de mim mesmo

afugentava-me, não queria pensar no óbvio

apenas ser eu mesmo, nada além disso

só pensar como eu pensava de verdade

sentir o que eu sentia realmente

dormir como eu tinha de dormir

comer como eu queria

falar o que eu queria falar

entender o mundo como eu entendia, tão simples 

mas que me fazia entrar em pânico

querer fugir pelas ruas até não ter de olhar para mim mesmo

em algum reflexo a me cumprimentar dizendo

ei, você aí! olhe para mim, eu sou legal, como todo mundo

eu tenho defeitos como todo mundo tem

mas também tenho coisas maravilhosas aqui comigo


venha e me descubra, me conheça e me aceite

porque eu sou você

e não todo mundo!



mas naquela época, tinha tanto medo de mim mesmo

de sofrer

de errar

ou de acertar

e ter que abaixar a cabeça para mim mesmo

que espanto era o meu corpo



até um dia

quando naquele domingo caí em mim

lembro ainda de tudo de antes

o segredo então já não era mais mistério

que se materializou em milagre de ser como a verdade

inegável

e quem me fez a ver 

foi

você




se o meu sangue corresse pelo céu

eu te chamaria para olhar

como as minhas hemácias são rosas

no meu jardim-corpo-firmamento

e diria que são anjos rubros

que eu havia chamado para tratar e curar minha dor

ou alimentar meu amor em ser

o proibido

e por isso ver você como meu amor além do possível

se tornando ali possível



veja minhas células vermelhas voando como aqueles carros

como correm em busca de ar

das nuvens

do oxigênio

dos meus olhos à chover inocentes gôtas marginais

eles vem te buscar, te sequestrar

roubar sua imagem para dentro de mim



o amor nunca será proibido

ele não me deixa mentir para mim

que a única saída para vida é ser quem você é

cada um tem de ser como é

quem é

e ser apenas

a verdade

para dizer

vem comigo!

vem assim desnudado

sujar o nácar dos corais

sou oceano sem fundo

verto-me, lembro

sou afinal fluido

sou ar

seu sôpro

seu respirar

mas onde está você?

o mundo é muito grande!



toma teu lugar, menino

já me disseram isso antes

e nunca me corrigi

e por isso

ainda sei que sou menino

bem no fundo

mas aquele menino que aponta as árvores

que estão mais perto do céu

lá, naquele lugar onde eu sempre

achei  que estariam as melhores frutas, lembro

aquelas que eu queria te dar

e agora eu já estou aqui perto do céu, sou, sei

estou certo que vim aqui para isso!

pronto!

subi até lá

roubei uma

toma!

mas onde está você?

e o sol  acendeu o azul