Um gato,uma galinha,uma menina e a teoria da relatividade





   Eu me decidi a escrever. Puxei uma cadeira, algumas folhas, uma caneta, me sentei e pronto. Pus-me a olhar o espaço em branco e as linhas mudas, irônicas, magras. Foi assim, como quando eu me decidi a escrever ainda de vestido azul de fitas e anéis nos cabelos a imitar uma Shirley para meus pais, mas que não dançava, apenas queria escrever e escrever histórias com a minha avó que tinha um gato chamado Gato e uma galinha chamada Galinha, e as coisas não eram mais do que elas eram, pois, para a minha avó, gatos não sorriam, galinhas não punham ovos de ouro,espigas de milho não sabiam a teoria da relatividade, burros não falavam e bicho não tinha nome de gente. Mas, para mim, na minha cabeça com anéis da Shirley, os gatos sempre sorriam, galinhas chocavam tesouros, burros falavam e sabugos de milho...ah! esses se transformavam em pipoca e viscondes. Entretanto, para vovó as coisas eram assim - não sem originalidade, pois a qualidade de ser original e autêntico tornava cada coisa única em si e íntegra,diferente de todo o universo, e por isso belas.
   E eu me decidi a escrever também quando entrei pelas portas da minha faculdade, ou quando saí a me esconder e a sofrer e a chorar, e a pedir por favor por meus filhos, que não os matem, nem os machuquem, que eu não sei de nada, que eu não fiz nada, se há algum mal em ser uma estudante popular o mal é ser querida, e vocês podem me torturar que eu não sei de nada, não sou agente, nem guerrilheira, nem espiã, que isso não é coisa que uma moça de família faça assim, sou apenas uma líder estudantil, dessa UNE que exige mais respeito com os estudantes e liberdade de pensamento. Sou apenas uma mulher que quer escrever, uma aluna do jornalismo ingênua e tola que quer falar o que dá na cabeça sem pensar em mais nada, no que acontecer depois, e que se soubesse demais não estava aqui para ouvir essas ameaças covardes, porque a voz é do povo que é a voz de Deus, e não das baionetas desse regime. E não é  América nenhuma que me manda, porque eu sou brasileira e não sou russa, nem chinesa também, eu me chamo Amélia, mas não aquela que vocês estão pensando, que não sou mulher de malandro, e podem me revistar que não porto arma nenhuma, trago só o que penso, que é igualdade para todos e, quando isso terminar, quero ver a cara que vocês vão ficar, de perseguir assim gente inocente, gente quer trabalhar, estudar, e que todos tenham pão igualmente.
      E daí, voltava triste, com raiva,  e não escrevia, pois descobrira que o que me interessava era sentar e escrever, porém só para mim e não para jornal nenhum, apenas as minhas idéias, assim como tinha escrito uma poesia para o meu filho, quando ele me olhou com uma cara dura e triste, de parede sem tinta, a dizer que - mãe, você disse aqui, escreveu aqui: - meu filho sê como capim, logo hoje que é o meu aniversário que queria ser uma floresta, um Empire State,e que o capim se ergue para o alto, para o sol, e se dobra humilde a qualquer vento, não podia ser algo, mãe, logo hoje , só hoje, que fosse forte e grandioso, cheio de futuro, e não essa folha de capim, fraca, subserviente, um nada que todo mundo pisa em cima e se dobra a qualquer um que pise em cima dele! disse ele, gaiola aberta, sonhos quase voando. E eu não sabia como explicar que para mim ser um capim é melhor que ser qualquer outro tipo de coisa, assim como um gato só tem de ser simplesmente um gato, e é lindo que ele seja assim, só um gato, sem sorriso, porque esses assim não existem, e as coisas que existem são mais belas que as que não existem, porque são a verdade, embora esse mundo seja mesmo sonho, e por isso aquela menina com cachos nos cabelos e uma fita que entra em um espelho, ou que sonha que encontra o País das Maravilhas seja também um tipo de verdade, pois esta existe em um mundo que só agora eu posso perceber, esse mundo que existe quando uma estrada branca sobre uma linha fina nos leva até seu destino, um que é traçado, escrito, com caneta e tinta bem azul como o céu sobre essa estrada branca da invenção do que ainda não existe, e chegar à esse destino que sou eu mesma, aqui sentada a olhar essa folha, a pensar em todo esse tempo que se foi, esse pequeno espaço, esse ponto na velocidade da luz ao quadrado que se esvai, e agora como fazer para escrever que um gato pode sorrir, da maneira engraçada que os gatos têm quando sorriem , e dizer:
       - Aonde vai você, minha bela menina?

Dedicado e baseado na história da minha amada mãe que escreveu a minha própria história na páginas da verdades que existem.