quarta-feira, 17 de março de 2010


O real faz-se de vasta e viva ilusão, movida por vontade vertiginosa.

Miragem de clarão e ardor , o corpo da verdade - imensa e astuta

nebulosa.

Imaginemos então, se possível, a doida extensão de um espaço sem

limites de dia impalpável e acesa luz - à noite, concretude

maravilhosa.

Ali se faz tudo que há e o que mais já não há, como uma usina

de faz tudo do invisível - ópera miraculosa.


A lógica dos dados traça o caos - o jogo da natureza

é o nome da rosa.


Vence o que pensa que existe e não é tudo - o que não era, mas pode

ser agora a pura realidade, curva e enganosa.


O impossível se faz plausível e o impensável de uma crível fatuidade

goza.

Sem fim é o número de probabilidades, fazem as leis da ordem da

existência e o vivo que surge agora , a dimensão da majestade

apossa.

Tudo que imaginam é energia e vida e isso ao contrário não é tudo,

nem com boa vontade.


O poeta que é um sábio por entender de imensidão

e, às vezes, joga dados e outras vezes não

diz que comparado ao amor que o fêz e a chama que nele arde

que tudo isso é muito, muito mais além

não é nem mesmo o M com que se escreve metade

ou os dois zeros com que se fazem o cem.





Gôta após gôta

o tempo vai passando

e a gente nem se dá conta

que é um oceano

que está se formando


O importante é ter de aprender

qual o fluxo tem a direção da energia

a qual lhe ajuda a flutuar

pois a profundidade aumenta

e a inexperiência pode lhe afogar


Mas se a sua alma é sedenta

e se há como um pensamento

a fluir como um rio direto para o mar

e que direciona e aproveita o que se passa

pra ela tanto matar sua sede

ou ser como uma usina que a sua luz fique a gerar

é possível então não temer mais essas marés

ou até mesmo nelas aprender a nadar


Há quem apenas bóie

ou se debata

mas esses

não tem muito onde chegar


Só sei que com essa experiência

é melhor saber como

ou destampar a tampa do bueiro

ou apenas a torneira fechar


Mas ainda é melhor é saber

que o corpo experiente se inunda pra sempre

com o fluído da fonte da imaginação

que é o espírito do mar do universo presente

que nos afunda entre as estrelas

e por fim em seus sonhos nos deitar

até o seu fundo docemente

e que o eterno repouso apenas é

o amor do seu leito que se sente à chegar

a nós em descanso finalmente.

O desejo pode ser de algo
mas, às vezes, é do outro
O tesão é o desejo de diálogo
de algo com subjetivo análogo
ao objetivo do outro.

E se falta ali um pedaço,
é que algo é apenas objetivo
e o objeto não se une ao subjetivo
do outro que não o amarra em um forte laço.

Se, então, o outro e o algo
forem apenas objetivos
e não há motivos claros de afago
sendo que é por este que sei que vivo,
não há razão mesmo para continuar o dialogo.

Mas, se a louca alquimia
rende a matéria ao subjetivo
então o desejo liberta o afeto
agindo não sei como
e pode finalmente conquistar o mago.

Transições


Algumas coisas são como são.


Os carros não param nas avenidas,


tanta gente anda nas ruas,


nascem, vivem e morrem.


Madalena seca as mãos no avental, olha o vazio, pensa.


E eu nem sei porque eu falei nessa Madalena!


Quem seria Madalena?


Quem seria eu?


Serei eu como sou eu?


O tempo passa e de que serve tudo isso? É como é! Não serve, apenas é!


Outros caminhos não são, são apenas passagem. Mudam, transformam,


vivem a metamorfose do seu des-ser.


Mas, e o que pensei antes? As coisas são como são - é verdade.


É como é?


Ou é como será? Ou já será como foi?


Como se tudo fosse um único sendo? Sim, uma verdade.


Eu estou sendo a mim.


Não há como não ser senão à mim, em sendo eu.


Eu fui, eu sou, eu serei como tive ou terei de ser.


Tudo isso já existe em mim dentro desse movimento - o tempo essa dimensão de ser fluxo.


Assim como esta tal da Madalena, que nunca vi.


Sujou e depois lava as mãos e as guarda no bolso do avental.


Eu também lavo as minhas, pois se também as sujo.


Tudo será perdão, pois muda, flui.


Tudo será o que sempre foi - transição, mudança,


o não ser, que já sendo, é o que será, o que já existe desde o ínicio.


E o tempo é assim - é como é -não existe mais, passa.


Somos tudo isso.


Já passou.


Nada, tudo, como antes.

No íntimo


Eu escrevo para mim
para que eu sinta que não estou só
esse não-haver, essa incompetência de existir
isso não me deixa feliz comigo mesmo
Eu escrevo para minha pessoa não se ir
sinto que tentei ser como uma sugestão ínfima
do que foi um p da pessoa do Pessoa e tremo
para que eu por uma fração de segundo faça esse mundo
entender de mim o que esse absoluto ecoa nessa trama
P soa como poder, participar
P soa como planar, passarinho, pardal, periquito, voar
P soa como pacífico, ponto, parâmetro, pensar
P soa como persistente, perspicaz, paralelo, par em par
P soa como presente, passado, pronto
P soa como paraíso agora, Parnaso, gozar
P soa como personalidade, princípio, faço ou desfaço, sou
P soa como pai, pomba, paz
P soa como preciso, posso, perito, existir
P soa como perfeito, perene, eternizar
P soa como passageiro, passa, passa em qualquer lugar
P soa como para mim, próprio, puro, pio, é sério!
P soa como parceria, permitir, Eros e Psiquê, sentir, viver
P soa como parte pra luta!, ponte, pernas pra que te quero, vero!
P soa como puxa, vou continuar tentando, parti!
P soa como pois é, fiz minha parte, pertenço a ti
P soa como pode deitar e sonha, pleno, dormir
P soa como portanto é importante, fundamento, não se iludir
P soa como porta para o absoluto, para si
P soa como preciso, mas aqui está teu anjo, teu buriti
P soa como Poesia como Pessoa, o resto eu arranjo
                      
                            pra saber que existi.




O que me soa à hora primeira




faz de mim não mais esse corpo largado




esse meio que náufrago do silêncio




a ver seu navio




nave rôta




afundar em seu peito encapelado




sobre a nuvem do des-sinto




pois, não há mais um outro, o além de mim,




o trânsito de acompanhamento




pele soando em outra pele




afundando em teu-meu.




Não, agora talvez pressinta




que nada tem de ser assim




a sessão não acabou




posso ouvir que a vida não se tranca numa gaveta




o mar tem vários humores




mas ainda não chegou aonde estou.

Absurdos


Talvez eu tenha que ficar aqui para saber


o quanto faço parte do absurdo diante do que vejo,


embora seja esta a minha Terra e não Marte.


O que estranho aqui neste planeta ou outro qualquer,


por aí ou por lá,


no País das Maravilhas ou ali na rua,


é que tudo me espanta.


Talvez seja necessário saber




o barulho dos carros disparados




o alvoroço das aves na praça




o berro do feirante à cada um que passa




os seriados na tv




e o nada que é ser




sem estar diante de um absurdo




sem pensar porque a cabeça faz zum...




E as horas passam




e o tempo se esvai




as ruas lotam




os passantes se vão




as bocas falam




os dedos apontam




os gestos se perdem




os olhos se fixam em lugar algum. Penso.



Tenho-me estranho


porque não acredito no que vejo


Sei que o tempo está contado


e ainda não fiz o que esperava.


A surpresa sempre existe,


talvez próxima,


talvez ainda a chegar.


O certo é o lugar nenhum,


mas o impossível


é o caminho do meu ensejo.

O carrossel


O medo de se perder alguém é a condição que demarca os limites da tolerância do sofrer pela realidade do sentimento, que surge por não se encontrar a possibilidade da reciprocidade do outro, ou mesmo da sua própria ausência


e que o mundo gira como uma nuvem que pode estar em fúria, ou apenas a levitar, suspirar, fazer levantar de leve um lenço.


É quando a capacidade de se firmar ao solo, que são as únicas chances de sobrevivência que você tem, parece que voa, zunindo com a velocidade de um trem e ...adeus!

É tão espantoso saber que outro ser é tão parte do seu corpo, como as partículas que giram para formar toda matéria que o seu próprio ser tem


como seu existir luminoso e circular, que tudo e toda matéria em si contém, formasse o seu ser com algo do outro ser também.


Tudo como vento de um redemoinho a girar infinitamente para fazer de fumaça, da matéria, você ser alguém novo, com o outro.

A rodar se faz um parque de diversões, onde se pensa participar do impensável, do infinito, enfim vive-se.

Mas, se é você mesmo que faz seus redemoinhos, o que se espera é que não conseguirá controlar os giros, as rotações, e fará os seus monstros de voltas velozes que desfazem o que houver à sua volta, que fazem de tudo ninguém

E o outro se vai, rodopia, flui.

Isso forma seu limite, como o de tolerar que o vento dobre a esquina, leve seu cheiro, seu toque, seu carinho, enquanto você espera que o sinal se abra e demarque o seu domínios, suas posses, até onde é possível participar dessa rota em comum


Sabendo que ali, se o carrossel do destino parou, perderá todas as voltas, o parque se fecha e os portões são trancados.


E mostrar o bilhete não mais adianta, porque o carrossel evaporou e levou a música e sua felicidade com seus cavalinhos a girar no além

Amor é a vitória sobre a lei da sobrevivência.

Quando o de mim perdido se abre em dia e o inalienável salvo se apruma


o céu agradecido abre as portas invisíveis do inefável e me mostra o sem fim


vital voo para onde tudo ruma.


Me conta que o que nos pertence, ninguém nos tira ou é esquecido


É pleno, transborda, nos perdoa e não se limita à coisa alguma


Quanto ao resto sorri, tira do bolso do seu manto, o firmamento,


páginas dobradas em que lê


frases pelas constelações escritas com uma pluma:


De nada adianta

soprar contra o vento

nem tecer rede de coisa nenhuma

É como catar todo o vazio do universo

para preencher uma lacuna