Eu sou o Marcos Vasconcellos. Aqui eu escrevo o que me der na telha, o que me vem na hora de dormir, quando estou num onibus, ou no meio de um papo chato!
sábado, 3 de abril de 2010
Hoje foi a gota d'água
foto de Boyd Webb
Basta hoje foi a gota d'água.
A coisa pinga, pinga, pinga até que faz uma poça d'água que se torna maior, e maior, e vai, vai, continuando a pingar, e a pingar, aí não era mais uma poça e sim uma inundação com ondas que se arrebentam entre os guardaroupas, as poltronas, carregam as mesinhas e a cama que fica toda encharcada, até que sejam necessários um bote salvavidas para dar conta de tal despautério, por causa daquele pequenino pingo d'agua, que acaba com a paciência de qualquer um e mais parece com uma tortura para lhe arrancar uma verdade no fim - a que não sei dar conta do que me cabe nesta vida!
E, desde que o final não é feliz, não porque eu quizesse assim, a me desabar todas essas mágoas, concluo que foi a bendita sorte. E é a sábia intuição que me fala que foi a maquiavélica senhora que me trouxe esses pingos derradeiros e que me abriu esta chaga sem dó nem piedade. Aliás, o que lhe é peculiar em seu rastro, pois não devemos entender que tudo que essa pessoa faça na vida dos outros fosse apenas trazer uma taça de bom vinho para se brindar numa festa de aniversário onde todos fazem a comemoração de seus anos ao mesmo tempo, no mesmo dia e na mesma hora. Porém, é lógico que há de se louvar o sem número de habitantes deste planeta que vivem sem nenhum temor de ficar sem casa para morar, ou uma cama para dormir que não chova em cima, ou mesmo um pedaço de pão ridículo e mofado que lhe forre o estômago em abandono, em contrações, e sem sorrisos como uma casa de penhores de uma firma sem escrúpulos pronta a lhe tomar esse mesmo pão verde como pagamento de uma dívida que não vai se sanar, nem que ele ganhe na loteria dos afortunados das mãos cheias e dos sorrisos fáceis.
Mas, também há de se contar o parceiro misterioso dessa senhora chamada sorte - o destino, que forma com ela um casal pleno de intenções dúvidosas e segredos que nunca conseguimos desvendar, nem que fossemos sherloques natos, e que, às vezes, servem como anjos lindos e dadivosos, ou, de vez em quando, acho que agindo meio por um tipo de patologia bipolar, como demônio e executor da mesma pessoa em questão, exatamente quando ela pensa que não tem que se preocupar com mais nada em sua vida e que dali em diante os dias serão claros e brilhantes e que em cada esquina encontrará um trevo de quatro folhas vicejando em seu caminho, lhe pedindo para os levar consigo, porque ela era agora a eleita dos deuses e que estes lhe encheriam os cofres de ouro, encontraria a fama e logo o amor de sua vida, e nunca esbanjaria tanta saúde para aproveitar todas as bençãos que, sem dúvida alguma, lhe recairiam sobre a sua afortunada cabeça direto dos céus para transformar a sua vida num paraíso lendário sobre a terra. Mas a sorte e o destino não descansam nunca em sua criatividade de gênios dos resultados infactíveis. Traçam mil passagens e caminhos tortuosos e intrincados, que os indianos chamam sabiamente de karma, impossíveis de se prever ou mesmo de até de entender como alguém pode assim os tramar, tal a inventividade exigida como einsteins das tramas absurdas que nunca poderiam dar certo, mas que se fazem acontecer e funcionam, embora possamos achar no momento que deu errado, para depois nos abismar com os resultados próximos ao milagre divino. Mas que, no entanto, agora, deram para agir contra tudo que eu faça. E tudo que se faz, eles vem e desfazem com um sorriso no rosto, achando que eu sou tolo e nada vou aprender para que eu possa deles me aproveitar, ou mesmo deles me defender. Mas há de se louvar a criatividade, a sutileza que se percebe em cada nuance de suas maquinações sutis e tramóias virtuosas em que constróem a cada passo de suas artimanhas, planejadas milimetricamente em tempo, espaço e teor, como nem um diretor de hollywood poderia orquestrar na mais genial de suas criações, os caminhos mais intrincados, os becos sem saída que temos de driblar para que o filme de nossas vidas continue a passar.
foto de Martin
No entanto, não importa mais para mim as voltas que traçam e seria louco se isso importasse para mim, pois o que me fala agora, de como ficar bem, é o esquecimento de tudo, com olhos bem fechados e para fora do que foi toda essas invenções sem controle ou não, onde só me lembre da fuligem que embaça a minha janela e de uma onda quebrando rasa. Porém, não é um dormir propriamente, pois que não é a fuga ideal para evitar qualquer desgraça, mas sim um voltar à origem com tudo o que me possa me trazer de bom, que me conforta e drena tudo que me alaga, e que leva folhas amarelas até aquele caminho de quem passa sem ainda notar tantas folhas caídas pelo chão, não percebendo que são as próprias folhas que se deixaram cair ali de propósito, transformando toda chaga e desconforto, de quem ali passa, na perfeição do que vem, no exato momento em que as nota, desviando a atenção de si próprios e de sua miséria para beleza quieta do tapete dourado construido por seres que se vão e que deixam ali a sua mensagem humilde e generosa de que, nem por isso tudo que passaram até o fim, deixam de ser belos e gratos à tudo que lhes ocorreu, graças ao destino e sua sorte. E, enquanto quem passa olha agora, distraído e maravilhado, para elas, também não percebe que são, na verdade, a justa causa de se chegar em segurança dessa longa viagem e sem nenhuma ferida mais ou cicatrizes, recuperado em sua vida como se nada tivesse acontecido. E entende-se um sentido fortuito à tudo que aconteceu e que sem todos os acidentes não haveria beleza a deixar por ali, em nosso rastro.
E absorto e meditativo, então, elas me levaram para os sonhos do sem fim, minha origem, completamente alheio ao que se passava comigo, agora percebendo que a inudação passara, e que tudo estava como antes seco e em seu lugar. Foi quando entendi tudo e agradeci ao destino e à sorte por tudo que haviam me causado, por todo meu karma, que ter desventuras é a matéria da criação, mas que talvez estas não o sejam afinal, depois que o percurso acaba, e sim bençãos, ao notarmos tudo no fim da jornada, que o que ganhamos não tem preço, mesmo tendo que pular cada pedra da estrada.
Apocalipse
A Jangada da Medusa- Géricault
Estou aqui nessa jangada cheia de naufrágos, porque tudo que
conheço afundou, aliás, porque sou sobrevivente do apocalipse.
E todo mundo me pergunta :
- Que apocalipse?
Eu digo:
- Do apocalipse que passamos ainda ontem, não se lembra?
Nós estávamos na casa de um amigo, que eu não via há
muito tempo, e tudo começou a desmoronar, a ruir.
As águas do mar, até então pacíficas e sujas, se revoltaram não sei
com quê, e se tornaram limpas e transparentes, mas rebeldes e tão
violentas que passaram por cima de Ipanema e do Leblon,
limparam toda a Lagoa e foram bater aos pés do Cristo que nada
fez, continuando a olhar para o espaço, como se nada existisse,
e o mundo não soçobrasse em pandarecos, talvez para dizer mais
tarde :
- Eu não disse!
E foi o tempo de reunir minhas coisas e meus amigos e minha mãe
e colocar todo mundo nesta jangada feita de uma cama de casal
abandonada e pneus de caminhão, amarrar tudo com cordas
feitas de cortinas rasgadas e rezar a Deus perguntando o porque,
porque, porque tudo em pandarecos, se agora parecia que o
mundo ia acalmar, se agora que tudo parecia ter se recobrado
do seus momentos mais violentos; e que o mundo não pensava
tanto em guerras assim e esse amigo voltou com a sua ex, e eu
não voltei com ninguém, porque assim o destino queria; e a crise
econômica se debelava, o mundo se mobilizava contra a poluição
e os abusos contra os direitos humanos e a Internet.....sim, pode
ser, a Internet, talvez a Internet seja a agora causa desse transtorno
todo, com aqueles sites abusivos, aqueles mentiras que se despejam
se fazendo de verdades, ou aquela falta de tempo para o mundo real
e tudo tendo menos importância que poderia ter; se nunca houvesse
essa ansiedade de teclar para alguém que você nunca viu na vida e
lhe confessar coisas que nunca diria para o seu amigo mais íntimo,
porque saberia que aquela seria a última vez na vida que aquela
pessoa ia lhe ver ou falar, porque vocês não representavam nada
um para o outro, como ninguém representava assim tanto para
qualquer um, porque se perdia como um eco reverberando entre
a montanha e o mais além do infinito e assim por diante!
Essas montanhas que agora desmoronam, como os sonhos
mais altos que qualquer pode ter e não criam uma base com
fundamentos para que esses sonhos cresçam e fiquem azuis e
brilhem para sempre e se multiplique com os votos mais
fervorosos de sucesso de todo mundo.
E agora estamos nós todos aqui, nesta jangada, à espera que alguém
nos reconheça ao longe e venha nos salvar dessas ondas, dessas
ondas vingativas contra os pensamentos do homem, sempre contra
os pensamentos terríveis de alguém, e nos cerca com esse mar fundo
e negro, cheios de peixes famintos, assim como vivíamos cercados
de ganâncias, mesquinharias, bens cada vez mais sofisticados, mais
acessíveis, mas que se quebravam como um cristal delicado e frágil
à menor respiração, ou folêgo descentrado, ou jeito estabanado.
E não adianta virem de novo em perguntar que apocalipse, porque
vou ter que responder de novo, e de novo, que sim somos naufrágos
de um apocalipse, e eu mais ainda, porque não verei você
ao acordar, e não ver você de novo é como se o mundo
tivesse tido um apocalipse e eu desse sonho medonho nunca
mais pudesse acordar. E só você pode me salvar dessa loucura,
porque não sei mais como tirar essa sensação de que o mundo
se foi, de que o mundo não é mais seguro, que todos se afogam
nesse fim de mundo e de que o mundo não é mais sua voz, nem
quando dizia bobagens, porque você não diz sandices, não diz
nada que não seja pertinente, nada que se jogue fora, porque
você dá sentido à tudo e ao mundo. Já eu, não saberei
mais como é chegar em terra firme e dizer - voltei por você!
2012 O fim do mundo - o filme
Estou aqui nessa jangada cheia de naufrágos, porque tudo que
conheço afundou, aliás, porque sou sobrevivente do apocalipse.
E todo mundo me pergunta :
- Que apocalipse?
Eu digo:
- Do apocalipse que passamos ainda ontem, não se lembra?
Nós estávamos na casa de um amigo, que eu não via há
muito tempo, e tudo começou a desmoronar, a ruir.
As águas do mar, até então pacíficas e sujas, se revoltaram não sei
com quê, e se tornaram limpas e transparentes, mas rebeldes e tão
violentas que passaram por cima de Ipanema e do Leblon,
limparam toda a Lagoa e foram bater aos pés do Cristo que nada
fez, continuando a olhar para o espaço, como se nada existisse,
e o mundo não soçobrasse em pandarecos, talvez para dizer mais
tarde :
- Eu não disse!
E foi o tempo de reunir minhas coisas e meus amigos e minha mãe
e colocar todo mundo nesta jangada feita de uma cama de casal
abandonada e pneus de caminhão, amarrar tudo com cordas
feitas de cortinas rasgadas e rezar a Deus perguntando o porque,
porque, porque tudo em pandarecos, se agora parecia que o
mundo ia acalmar, se agora que tudo parecia ter se recobrado
do seus momentos mais violentos; e que o mundo não pensava
tanto em guerras assim e esse amigo voltou com a sua ex, e eu
não voltei com ninguém, porque assim o destino queria; e a crise
econômica se debelava, o mundo se mobilizava contra a poluição
e os abusos contra os direitos humanos e a Internet.....sim, pode
ser, a Internet, talvez a Internet seja a agora causa desse transtorno
todo, com aqueles sites abusivos, aqueles mentiras que se despejam
se fazendo de verdades, ou aquela falta de tempo para o mundo real
e tudo tendo menos importância que poderia ter; se nunca houvesse
essa ansiedade de teclar para alguém que você nunca viu na vida e
lhe confessar coisas que nunca diria para o seu amigo mais íntimo,
porque saberia que aquela seria a última vez na vida que aquela
pessoa ia lhe ver ou falar, porque vocês não representavam nada
um para o outro, como ninguém representava assim tanto para
qualquer um, porque se perdia como um eco reverberando entre
a montanha e o mais além do infinito e assim por diante!
Essas montanhas que agora desmoronam, como os sonhos
mais altos que qualquer pode ter e não criam uma base com
fundamentos para que esses sonhos cresçam e fiquem azuis e
brilhem para sempre e se multiplique com os votos mais
fervorosos de sucesso de todo mundo.
E agora estamos nós todos aqui, nesta jangada, à espera que alguém
nos reconheça ao longe e venha nos salvar dessas ondas, dessas
ondas vingativas contra os pensamentos do homem, sempre contra
os pensamentos terríveis de alguém, e nos cerca com esse mar fundo
e negro, cheios de peixes famintos, assim como vivíamos cercados
de ganâncias, mesquinharias, bens cada vez mais sofisticados, mais
acessíveis, mas que se quebravam como um cristal delicado e frágil
à menor respiração, ou folêgo descentrado, ou jeito estabanado.
E não adianta virem de novo em perguntar que apocalipse, porque
vou ter que responder de novo, e de novo, que sim somos naufrágos
de um apocalipse, e eu mais ainda, porque não verei você
ao acordar, e não ver você de novo é como se o mundo
tivesse tido um apocalipse e eu desse sonho medonho nunca
mais pudesse acordar. E só você pode me salvar dessa loucura,
porque não sei mais como tirar essa sensação de que o mundo
se foi, de que o mundo não é mais seguro, que todos se afogam
nesse fim de mundo e de que o mundo não é mais sua voz, nem
quando dizia bobagens, porque você não diz sandices, não diz
nada que não seja pertinente, nada que se jogue fora, porque
você dá sentido à tudo e ao mundo. Já eu, não saberei
mais como é chegar em terra firme e dizer - voltei por você!
2012 O fim do mundo - o filme
Assinar:
Postagens (Atom)