foto de Keith Carter
E se uma última palavra me for dada
que venha a da boa hora
e não a que me fez ser
o que não queria que fosse
pois, a última palavra é a que fica
a sentença ou a benção
porque tudo antes se esvai
como as freadas de ônibus
as ceias pródigas, os adeus
os passeios, as confissões sorridentes
as brincadeiras no recreio, os beijos
os telefones anotados na caderneta
e os cafés lotados de toda tarde querida
as lembranças incompreensíveis
os simples feriados
me perdoem os que escutarem
essa última palavra
se esta não for a que compreenderam
como a que o eterno não esquece
ou a que o passageiro não embarca
pois, o que valerá será a modéstia
de não ser original ou brilhante
mas, talvez, como a anotação de um viajante comum
sobre o que se vê pela janela de um trajeto
por olhos ébrios de tantas surpresas
Foto de Parke Harrison
Mas, se ainda uma última palavra me for dada
que escute o destino como o que não se conhece
que escutem os solitários como os que conhecem o outro
os amados que os perdoam
os ridículos que não vêem a si próprios
aventureiros ou pensativos como os que criam
os traídos como todos os que se expõem sem refletir
os africanos, os amarelos, latinos e os demais
e que chegue essa hora e me ouçam
porque será à todos a verdadeira e final
porque a todos direi por último
simplesmente
a sorrir feliz nossa condenação
ou livre arbítrio
mas sem mais sofrimento
tudo isto em que se resume o todo
o terrível e cruel
o feliz e o abençoado
o terreno e o transcendente
as horas doces que perduram
e o tempos escorridos
por isto que sou teu
e tu o que produzi pelo tempo
deixe-me te dizer agora
porque a hora é chegada
porque sei profundamente
que tu também sabes
que o que direi ecoa em silêncio
pelos corredores disformes
do que foi sempre exato antes
e é
e será
e foi apenas isso
um despudorado
sim!