sexta-feira, 25 de junho de 2010

Se houvesse flores

                                                                   foto de Anders Petersen



se houvesse flores

talvez existisse alguém que inventasse a palavra jardim


e que

descobrisse as minhas tristezas, meus cantos escuros

meus becos sozinhos, os canteiros secos de toda terra

quase um nada

com as suas árvores nuas, impacientes, ignorando todo existir

que não lhe balança os ramos, pois ainda não venta

se não há o que vir


e com

a sua paciência, arrancasse dali todos esses frutos tristes

duros, do fundo dos vazios ocultos, impuros com tudo que

não fosse colorido do adentro apagado e fosco, tenso ou estéril


e em

íris revertesse ao que traz a cor do em si, subterrâneo e oprimido

mas que, às vezes, se supõe que exista por um segundo, quando

extravaza subitamente,como um  jorro indomável do que se produz

com o que há em mim, pelo espaço desse mundo do improvável

em que tudo respira e se observa em matéria vibrante, viva


e depois 

ali plantasse a calma, sem a velocidade da bem aventurança

que explode em velocidade, em fazer voando e por correrias

como movimentos de raios elétricos estabanados

 o que tiver de fazer

porque a ligeireza é o  tom de quem não mede tempo pra se divertir


e que

não quer o espaço de pensar no fim

mas, ao contrário, que fizesse com a tranquilidade ritual

semeando risadas e inocência, pouco à pouco, com as minhas

coisas boas da infância - as brincadeiras, os jogos de pique, tudo

que eu não esqueço encantado



e que

na minha lembrança de todas as felicidades, ainda tenho soltas


e graças aos céus

não assim tão poucas, pois escorrem estravazando pelas bordas

plenas, nesse ínterim





e depois

 fertilizasse todas as frestas e ranhuras plenas de insegurança

medo e solidão, todos os problemas

simplesmente encerrados

apenas com uma palavra

- sim -


                                                          foto de Robert Mapplethorpe

e dali

o inesperado em flor surgisse em forma de fato e surpresa

essa que, às vezes, explode surda, muda, de todo acesa nas ruas

que o acaso desce, e você, coincidentemente, também, surgindo

como uma pessoa que de repente vemos, e a gente mal reconhece,

que você tivesse cansado de esperar toda a vida e só uma prece

ou o horizonte lhe apontasse o seu lugar, e de repente lhe surgisse

assim do nada, na sua frente, suave, leve, materializada.


e  pudesse

 lhe envolver no seu cheiro, perfume, e uma cor que

você não encontra, que de repente transparece 

fazendo tudo mudar

o ardor viceja, desponta - e pronto - a sorte voltou a atuar

tudo reluz e se abre, cresce 

olha-se pro o céu límpido, os pássaros, a delicadeza das nuvens


e o vento

tão doce que passeia por seu corpo que agora

se sente querido, em paz

voa
   
                                                                    foto de Robert Mapplethorpe


mas, como

conhecer a palavra flores, se não conheço todos os

segredos que existem em mim?


então, imagino

se houvesse flores é porque já as vi bem perto de

onde moro, ou por onde sigo meus olhos, por meu caminhos

esquecidos, pela água de um rio passado, quando passo com

atraso, ou mesmo, talvez, ali bem perto de mim


é que

talvez eu não as olhe e não me dê conta de quantas sementes

quantos botões se abrem, germinam em cores, em amarelos, azuis

ou violetas, brancas ou carmim, por não serem parte de minhas

obrigações, das minhas urgências, é o invisível comum




daí

me deitei , me despi do mundo, e pensei como podia isso

ter acontecido comigo, logo eu tão preciso em detalhes, tão

objetivo em minúcias, tão claro em observar que nem tudo

que vem na vida, vem porque estamos acordados

o quanto na vida nos distraímos do que achamos que não

é preciso, quando às vezes apenas um soslaio de alguém

perdido, ou detalhe de um gesto esquecido, nos faz ver

o que realmente nos prende ao que somos ou porque somos assim


e nem eu

em meu sono profundo, se quero ver que haja flores

me permito que eu seja apenas a alma presa dentro de mim


e dormi

e as flores vieram, todas.


e quando menos esperava

a fortuna, vinda na forma de meu

espírito liberto, me abriu as mãos e ali pôs sementes bem

pequenas, arrumadas em silêncio e cerimônia, como as letras

de uma palavra que eu não li, porque eu não precisava, pois

me lembrei que era algo que sempre conhecera

que eu já sabia que era a palavra

                                         JARDIM.

                                                                           foto de Issei Suda