se houvesse flores
talvez existisse alguém que inventasse a palavra jardim
e que
descobrisse as minhas tristezas, meus cantos escuros
meus becos sozinhos, os canteiros secos de toda terra
quase um nada
com as suas árvores nuas, impacientes, ignorando todo existir
que não lhe balança os ramos, pois ainda não venta
se não há o que vir
e com
a sua paciência, arrancasse dali todos esses frutos tristes
duros, do fundo dos vazios ocultos, impuros com tudo que
não fosse colorido do adentro apagado e fosco, tenso ou estéril
e em
íris revertesse ao que traz a cor do em si, subterrâneo e oprimido
mas que, às vezes, se supõe que exista por um segundo, quando
extravaza subitamente,como um jorro indomável do que se produz
com o que há em mim, pelo espaço desse mundo do improvável
em que tudo respira e se observa em matéria vibrante, viva
e depois
ali plantasse a calma, sem a velocidade da bem aventurança
que explode em velocidade, em fazer voando e por correrias
como movimentos de raios elétricos estabanados
o que tiver de fazer
porque a ligeireza é o tom de quem não mede tempo pra se divertir
e que
não quer o espaço de pensar no fim
mas, ao contrário, que fizesse com a tranquilidade ritual
semeando risadas e inocência, pouco à pouco, com as minhas
coisas boas da infância - as brincadeiras, os jogos de pique, tudo
que eu não esqueço encantado
e que
na minha lembrança de todas as felicidades, ainda tenho soltas
e graças aos céus
não assim tão poucas, pois escorrem estravazando pelas bordas
plenas, nesse ínterim
e depois
fertilizasse todas as frestas e ranhuras plenas de insegurança
medo e solidão, todos os problemas
simplesmente encerrados
apenas com uma palavra
- sim -
foto de Robert Mapplethorpe
e dali
o inesperado em flor surgisse em forma de fato e surpresa
essa que, às vezes, explode surda, muda, de todo acesa nas ruas
que o acaso desce, e você, coincidentemente, também, surgindo
como uma pessoa que de repente vemos, e a gente mal reconhece,
que você tivesse cansado de esperar toda a vida e só uma prece
ou o horizonte lhe apontasse o seu lugar, e de repente lhe surgisse
assim do nada, na sua frente, suave, leve, materializada.
o inesperado em flor surgisse em forma de fato e surpresa
essa que, às vezes, explode surda, muda, de todo acesa nas ruas
que o acaso desce, e você, coincidentemente, também, surgindo
como uma pessoa que de repente vemos, e a gente mal reconhece,
que você tivesse cansado de esperar toda a vida e só uma prece
ou o horizonte lhe apontasse o seu lugar, e de repente lhe surgisse
assim do nada, na sua frente, suave, leve, materializada.
e pudesse
lhe envolver no seu cheiro, perfume, e uma cor que
você não encontra, que de repente transparece
fazendo tudo mudar
o ardor viceja, desponta - e pronto - a sorte voltou a atuar
tudo reluz e se abre, cresce
olha-se pro o céu límpido, os pássaros, a delicadeza das nuvens
e o vento
tão doce que passeia por seu corpo que agora
se sente querido, em paz
voa
foto de Robert Mapplethorpe
mas, como
conhecer a palavra flores, se não conheço todos os
segredos que existem em mim?
então, imagino
se houvesse flores é porque já as vi bem perto de
onde moro, ou por onde sigo meus olhos, por meu caminhos
esquecidos, pela água de um rio passado, quando passo com
atraso, ou mesmo, talvez, ali bem perto de mim
é que
talvez eu não as olhe e não me dê conta de quantas sementes
quantos botões se abrem, germinam em cores, em amarelos, azuis
ou violetas, brancas ou carmim, por não serem parte de minhas
obrigações, das minhas urgências, é o invisível comum
daí
me deitei , me despi do mundo, e pensei como podia isso
ter acontecido comigo, logo eu tão preciso em detalhes, tão
objetivo em minúcias, tão claro em observar que nem tudo
que vem na vida, vem porque estamos acordados
o quanto na vida nos distraímos do que achamos que não
é preciso, quando às vezes apenas um soslaio de alguém
perdido, ou detalhe de um gesto esquecido, nos faz ver
o que realmente nos prende ao que somos ou porque somos assim
e nem eu
em meu sono profundo, se quero ver que haja flores
me permito que eu seja apenas a alma presa dentro de mim
e dormi
e as flores vieram, todas.
e quando menos esperava
a fortuna, vinda na forma de meu
espírito liberto, me abriu as mãos e ali pôs sementes bem
pequenas, arrumadas em silêncio e cerimônia, como as letras
de uma palavra que eu não li, porque eu não precisava, pois
me lembrei que era algo que sempre conhecera
que eu já sabia que era a palavra
JARDIM.
foto de Issei Suda