sexta-feira, 7 de maio de 2010

Enquanto seu lobo não vem








                                                                                                                                             pintura de Courbet



levanto correndo

pego uma obra de arte que não deu certo

amasso

soco

rasgo

chuto

grito

e jogo na lixeira

fico desesperado telefono para uma amiga e peço que ela me dê calma

ela então me acalma

descubro que estou atrasado

agradeço

mando um beijo

desligo

me arrumo

corro para o posto de gasolina

tiro dinheiro na máquina de 24 horas

corro

pego um ônibus

penso em alternativas para o trabalho

tiro a carteira

pago o trocador

me sento

e penso

enquanto seu lobo não vem

                                                                                            foto de Pruszkowski



vejo chegar o ponto do metrô

faço sinal

levanto

ando para a dianteira do veículo

me preparo pra descer

o ônibus para

eu salto depressa

corro para o metrô

voo até a bilheteria

pego a fila

sei que continuo atrasado

tiro a carteira do bôlso

compro as passagens de ida e volta

disparo para o acesso

passo pela roleta

desço zunindo pela escada

o metrô para

abre as portas

eu pulo para dentro

ele parte veloz

eu me seguro

penso

enquanto seu lobo não vem



o metrô para

abre as portas

eu sumo na multidão

subo pelas escadas saltando degraus

chego na calçada

ando depressa e atravesso no sinal para o outro lado

pego a transversal

peço informações à um farmacêutico

vou para o endereço correto

entro na loja

peço o que eu quero

o atendente diz que fui orientado errado

eu discuto com ele

ele argumenta de imediato

mas vai lá dentro e pega o produto que eu queria

agradeço e digo que me atrasara muito

vou até o caixa

tiro a a carteira do bôlso

pago

recebo o trôco

pego o embrulho com tudo que eu comprei

acelero pela rua e vou à mais três lojas

vazo até o metrô

passo a roleta

corro para as portas que se abrem

me espremo na multidão em pé

tem um lugar vazio eu chego e sento

penso

enquanto seu lobo não vem





fico nervoso

conto os segundos

o metrô chega

eu passo pela porta

vou para as escadas

subo as escadas

chego em cima

corro para a rua

pego um ônibus que não anda

me desespero e salto

vou andando no maior pique

entro no super mercado

deixo os pacotes na entrada

pego o carrinho

e rolo pelos corredores pegando tudo que eu possa precisar

vou para o caixa

despejo as coisas na frente dela

ela passa tudo pela máquina

pede o cartão de crédito

eu dou o cartão de crédito

vem o papel do recibo amarelo

eu assino

boto tudo na carteira

e reflito se conseguiria diminuir o atraso

pego as sacolas

passo no guarda bolsas

pego as sacolas

avanço para a porta

atravesso

saio batido para casa

chego

bato a porta

tranco

deixo as sacolas no chão

guardo tudo na geladeira

pego uma garrafa de água

derramo água no copo

torno a pôr a garrafa na geladeira

fecho porta dela

levo à boca o copo

bebo todo direto

vou ao banheiro

tiro a roupa

entro no chuveiro

abro a torneira

passo sabão pelo corpo

entro na ducha

me lavo

saio

me enxugo

coloco roupa limpa

vou para o sofá

sento

penso

enquanto seu lobo não vem





pego uma revista de arte

confiro uns artigos

me recosto no travesseiro

meus olhos vão se fechando

o pensamento divaga

eu me acalmo

tudo escurece

uma manhã nasce na floresta

eu ajeito os meus pelos

minha bôca está faminta

meu rabo balança

as garras afiadas

ali está uma casa pequena na clareira

sai fumaça da chaminé

e uma menina se aproxima pela trilha ensombreada

leva uma cesta na mão

ela está alegre

mas eu sou mais rápido

eu pulo pela janela

alguém lá dentro se assusta

eu uivo

a pessoa parece comigo

me olha curiosa e sorri

e me diz satisfeita

tranquila

porque demoraste tanto?


                                                         ilustração para O Chapéuzinho Vermelho de Gustave Doré