segunda-feira, 15 de março de 2010

metamorfética


Matei outro dia
uma barata a comer farelo
me culpei como podia
seria Kafka embaixo do chinelo?

A vida tudo me confunde
como me confunde pensar
no que ainda não pensei achar
até uma poça penso que me inunde
morro de sede olhando o mar

não há certezas, na verdade
na lida que travo todo dia
tudo que acho que é certo é a metade
de um engano mais metade que eu não sabia

Então é por isso que não sou culpado
dessa metamorfose entre o certo e o errado
Talvez Kafka vivesse nessa barata
enquanto ela pensasse ter finado
só por não ter umas pratas
no banco até hoje depositado.

A alma sente a brisa
como delícia
que o corpo não oprime.
Sentirá ela liberta
maiores gozos, prazeres
os quais não exime?

Mas se alma então acredita
que é a imaginação livre a sentir
que nada a prende por todo universo
que de tudo faz parte e vive
e o infinito lhe é propenso
e que o destino lhe dita

Não se sentirá ela mais infinita
a fazer algo a fremir
com um perdido nada
que dentro de si tramita?



De nada adianta pensar que estás aqui,se não estás,


pois não me consola as mentiras bem intencionadas,


as que inventamos para nós mesmos a nos enganar - não é uma boa causa!


O mundo não volta para trás, a chuva não retorna aos céus,


não continuamos a existir em falso, cadafalso, jogo de gato e rato....de dama ou xadrez.


Mas de ti dependo tanto quanto não posso te compreender.


É como um sopro bendito, tu, inspiração iluminada, geniosa guia dessa torta estrada, cândida portadora de idéias.


Faz meus traços, minha letra, teu porto, pouso, mosteiro do que penso.


No entanto, agora já lhe sinto, sei que chegaste!


E vamos mais uma vez abrir as portas ao que vem além de nós, além de qualquer criação que já foi imaginada.


E agora já lhe sinto, tu, estranha flama, benvinda amada! Escrevo, crio!

Tem dias que mordo os lábios e trinco os dentes, percebo que estou de carona nas idiossincrasias como única locomoção. Algo avança como um ventinho, bule nas caraminholas. Sopra lento. Vai misturando tudo aqui por dentro, embaçando, penetrando as gretas da sensatez ( se é que alguma vez as tive).


E, de súbito, já sinto a sensação do troço - é como levantar voo, planar perigosamente sobre cumes, pontas de rocha, espinhos, tudo que está aí que pode ferir e a gente tenta tomar altitude. Não responde a instrumentação, o manche não funciona. O céu é a salvação, mas o aparelho não se mexe - estou trancado num vazio.

Aí, as perguntas e as filosofices começam à aparecer. Não há solução para todas as bobagens que surgem esta hora.


Porém, de repente, os instrumentos voltam a funcionar.

Atravesso veloz o ar, porque imagino que sou o próprio voo desde a hora da decolagem até o momento em que aterrisso, onde descubro de antemão que a resposta para tudo eu já tinha, já conhecia de antemão!

Tudo tão simples, tão claro e logo ali, na minha frente. Então - luz! Reparo como este céu é enorme, infinito, brilhante e azul. E que para mim, surpreso, por toda minha vida, eu dele sempre tinha feito parte.

Tão tolo
como querer equiparar à qualquer coisa
à bolha de cuspe ou de cristal
estrume ou âmbar precioso
tudo que surge em horas do impreciso, ou angústia
deve se igualar
tanto para um Napoleão quanto para seu cabo

Cheire a anjo ou estivador
coma em porcelana ou com as mãos
o espetáculo é para todos
quer você queira ou não

se ninguém merece
as horas de espera pelo que se teme
ou se quer muito,
mesmo quando a terra treme
ou a nau lhe enjoa e o avião mal voa
já deu trabalho, mesmo fim,
pelo que parece nos tratados
à muita gente boa

Cada um sabe da colher
que lhe serve de almoço,
da posição de dormir,
ou quanto se espera um doutor chegar
para colocar o dedo na ferida

Eu prefiro ficar aqui
enchendo essa brancura
que também é momentânea
com esse caminho de letras
que nunca vai chegar à lugar nenhum
Quem sabe até lá
tudo isso passa?