sexta-feira, 23 de abril de 2010

Os leões se movem



pata atrás de pata
o silencioso movimento dos leões
omoplatas
sobem
e descem
sobre um capinzal
a crescer

apontam o branco céu
o claro teto
do meu quarto
que vejo por cima
de meu lençol

copulam feras no quintal
mas nem um quinto
do que os meus olhos vêem
captam todo o real
existe uma selva atrás das paredes
sob os tijolos
dessa casa comum



A caneta arranha o papel
unhas doces
fluxo trepidante e cru
mas azul
a poesia é o meu jardim
zoológico
onde eu prendo
enjaulo
os meus sentimentos perigosos
porque não sei como os domesticar

Escuto urros no arrebol
ou um balido de um elefante
a selva apavora minhas letras
doma o corpo a plenitude
do esbarrar nas folhas




amar
é encontrar os limites
de uma jaula invisível
e abrir sua porta
transpô-las, encontrar a natureza, ar puro
um sopro que vai e vem
como um bicho preso
que arranca da carne suspiros
só o impossível
o imaginário
mas sacia-se
lanha
se alimenta

pronto
portas abertas
e as goelas se abrem
bicho solto
devorar sem fim

luta e fome

mas eis que tenho
uma cadeira
um chicote
e a coragem
e a chibata estala no ar
a platéia urra
aplaude
e abro as portas da jaula
o instinto salta



poesia é o meu bestiário
de portões abertos
dali
fogem todos os animais
que só voltam
quando os esqueço meus

dos outros
lembro o cheiro
almíscar
suor
e rugidos
som dos cascos
os silvos
e o que lambe o sangue das avenidas
o rebanho de faróis acesos
o Serengeti moderno

e um símio tímido

um homem de jaulas vazias
eu




enquanto ando
farejo
imito a procura dos leões
quero encontrar a presa
animalidade
ser selvagem
feroz
o alimento
a besta enjaulada
o sentimento
em minha alma transparente

só assim saberei
o que me resta de homem
ou de animal
ou de espírito
só assim conhecerei
o que fica dentro de mim
o leão que delimita o anjo
o santo

eu
só amor
eu
a besta
por isso caminho
e não quero falar
a caçada continua
vivo
amo
rujo