terça-feira, 16 de março de 2010

Inconsistências




São altas horas
e o que é de mim é da natureza
se nada tenho e tudo perco
é porque nada tenho e nada perco

Tudo é passageiro, é natural

e o que é nosso
é nosso em trânsito
que é uma percepção do tempo
e o tempo é só uma dimensão do nada
nada tenho, nada perco

Tudo é ilusão em nós
nós que somos o que pensamos ser
e somos aquilo que não existe
porque o que existe
é o vazio que transita por nós
em sua rotação que faz o que existe
e não aquilo que queremos

É o seu caminho que nos ilude ao que somos
a pensar que somos nós
o que fomos tudo que somos
quando ainda não se é
quando o que se é
é apenas a caminho em que estamos
do que ainda não somos
E dói saber de tudo isso!
dói sofrer pelo que não se é!
se fossemos aquilo que um dia percebemos
saberíamos de tudo aquilo que não se é
e que talvez o que nunca fomos

Agora que a manhã nasce
a luz nos dita mais uma vez
sua quântica ilusão
que nos diz que agora é dia
que é o mesmo mecanismo
que em nossa visão se apagara
uma óbvia fantasia se prepara
ou total confusão

Sejamos gratos, portanto
ao que nos vêm seja o que for
embora, choremos cada minuto dessa desilusão
e o que nos vem abraçar
porque o acaso ou o sagrado deixou
pode ser a sabedoria que o mundo nos tem a dar
tudo que nos restou


Assim é a nossa vida
assim é o nosso trafegar
assim é a nossa existência
assim é a nossa dor

Talvez alguma alegria
seja ainda remédio
para toda essa incoerência
pro que ainda não dá para acreditar
mas se nada tenho, também nada dou
se tudo é ilusão ou quimera
também não posso estar onde estou!

Mente


A

MENTE

MENTE

SE DIZ

QUE EM SI

TRAZ

APENAS A

SEMENTE

POIS

SER

MENTE

TAMBÉM

É FRUTO

NADA QUE SE

LAMENTE

SOMENTE, MAS

PLENAMENTE

O SER

ABSOLUTAMENTE

A

FLOR

A EXALAR A SI

A ALMA

DESSE

PRESENTE

QUE

O AMOR

SENTE

ESSE

SIM

A SEMENTE

SENÃO MENTE

A

MENTE

VERDADEIRA

MENTE

EM


TI

O desejo


Às vezes,
sou um poço
ou, às vezes
sou alguém no fundo deste poço
ou mesmo a água,
a fonte que alimenta o poço
às vezes, o eco que reverbera
nas paredes circulares dele
solitárias rochas.

De lá, do horizonte
virá a caravana
que irá me tirar daqui
e beber-me

mas a minha voz ressoa ainda
pelas paredes de pedra
Levem-me ao Egito, grito
alimentar-me das pirâmides
de mel, crocodilos e versos

Regurgitarei rios sobre a areia
desenhando a forma do sol sobre o Nilo

Entretanto, ninguém entende a língua dos poços
Quem atenderá um eco?
O que ainda terei de ser?
Tudo posso ser !
Aí vem o desfile da rainha!
Posso ser o tapete vermelho
ou a coroa de diamantes
nas eternas cabeças dessa realeza de cores
Posso ser como essas cabeças vermelhas, douradas ou azuis
cabeças de faraó ou de rei
rolando pelo tapete da eternidade
se fazendo de deuses
curvando a história a lhes beijar os pés.

Tudo eu posso ser, vê?
basta que me dê as suas mãos
Onde estão suas mãos?

Bom dia!



Todos sentem desejos, é certo. É bom sentir um sonho de perto.

Desembrulhar a malícia lenta e inevitavelmente. Risos. Carinho e urgência. O silêncio de se estar acompanhado e o universo que subitamente se faz matéria, se condensa até poder tocá-lo. E que então te chama.

O presente está ali, o tempo parou. Surge como uma surpresa à sua frente e te conduz a um oceano que pode te tragar e à sua embarcação, que extenuada e faminta, ruma ao desconhecido além, talvez praias inóspitas, mas que escondem ainda um perdido paraíso, o impossível possível - a falta, o que te determina a ser feito para lhe satisfazer de maneira vital, a lhe dispor ali, de uma hora para outra, tudo que nunca se teve - a razão para vida.

O destino da viagem, de repente, não é mais o futuro, mas o sempre-já que chegou, o que está ali à sua frente e te despe e se expõe, se desnuda, com toda urgência para te engolfar em sua própria carne que vibra. E te invade ciente da necessidade que transcende razões. Tudo é urgência, respiração veloz, bruta.

E, à sua volta, explodem foguetes imaginários que não se sabia que existiam, o tempo novo do que não se mede com tempos que se iniciam, e por isso mistério.

A presença se faz matéria fremente ao toque cada vez mais rápido, batidas e empurrões, pele à pele, na dor do querer, pela inundação à lhe queimar e uma umidade que nos amansa.

O interminável em um pequeno tempo para ver e explorar essa fome que não sacia - um dia de mil e uma noites no escuro, como quem espera uma rua com casas vazias e encontra uma cidade perdida e iluminada, feliz e, em algum lugar, a hospitalidade de um invisível querido.

Histórias se misturam entre suor, corpos e afagos e formam o novo, o que nunca se viu.

Chegaste à minha oculta morada, meu íntimo.

Então bata à minha porta, coma a minha comida, desperte a minha sede, durma o meu sono.
Acompanhe-me até o meu abandono, a caverna oculta onde se faz a minha entrega - não há mais pudor em ser ou não ser.

E me mostre o meu engano - acenda a luz para que veja quem chegou e descubra que há mais alguém, mas que adora o teu avesso, o que se vê e o que se imagina, toda embate, teu arremesso, a sua companhia, os dedos sempre acesos para o meu gelo. E, diante da bem aventurança, se dá o encontro.

À volta, agora, tudo e todos são os outros, o que não se entende, o gelo. Ao aqui, nada se compara em calor crescente e ao oásis revelado. E aí, então, esse deserto te agradecerá e finalmente te dará as boas vindas.

Bom dia!