domingo, 14 de março de 2010


Me dei conta que o amor deriva

pelos mares da imperfeição

e pelas terras desconhecidas do improvável


O que importa se a brisa é leve

e o meu coração flutua

Vem comigo, amigo

Deixa a sombra amarga de nossos defeitos

pelo vasto mirar do acontecer


O horizonte é um belo amante

que beija com a promessa do amanhã

e, só, o espera ali adiante

em seu leito branco

e linear com sua boca vã

o insaciável amor do navegante.


Anseia o que quer em si,

se firmar num belo ser

enquanto, só no seu mirante,

vê um continente perdido aparecer


O futuro assim te admira

te deseja

te recebe

te possui em breve surpresa

e te afaga

te constrói e intui que

apesar da correnteza dura

e o que mau tempo destrói

tudo é pela aventura em que

o amor é o herói.


Se portanto feliz e ruma

que o amor também o seguirá

Depressa, iça as velas

Anda, corre ligeiro, que o amor obediente te segue

te alcança, te atravessa

não dorme, é sopro ou vendaval

sem desespero


E aí pleno, estremece, aporta

e apenas é

infinito, nada, além, ponto, universo


E tu também o sendo - o devir, o sou, o será

o seu mundo, o esplendor

e o que não interessa e nem adianta pensar

o gozo depois da ansiedade,

luta, rebentar


Ou só nós ali

esquecidos, despidos, perdidos

enrolados na pele aquecida

do seu simples mirar.

Me surpreende
como se retorce
e se espalha a natureza
o que desabrocha hoje
amanhã já não se vê o pó
tudo é leveza

o já é passado
o hoje
uma fração perdida
entre as migalhas esparsas
de um lanche esquecido
sobre a mesa

Se contarmos
agora,
os dez dedos da mão
à palma e ao braço
e antebraço
unidos estarão
do nascimento ao último sopro
se cuidarmos com boa sorte
e um pouco de precaução.

Se calamidade nenhuma
os separa da vizinhança viva
e à alma presa
o que a vida não desune
a morte o faz como empresa

Porém, desta dita
não me leva a fortuna
não retenho
não resisto
não oponho
entrego "la plata"
dou benvindo a gatuna

Mas o bem que oculto
é mistério
cuja senha são poesias
sussurradas uma à uma

E se atento escutares
e levares à sério
aí não terás mais
infelicidade alguma

No entanto,
se são o beijos que são o encanto
eles que serão as bênçãos
sussurradas uma à uma.

A selva - primeira versão


Depois de longa jornada, campo lisos e vagos. A noite é calma e pensamos ali é o esteio, o repouso enfim. A viagem é finda, as estradas o passado. O pior já fora. O selvagem chamado da aflição, fim de nosso animal entranhado na herança inocente de nossos pais, está perdida no tempo, no esquecimento, um eco na distância - tudo apagado pra mim. Depois de arrasada a selva, a civilização interpõe-se, clarão e ordem. Pois, eis que então percebemos a cidade onde estamos. Temos a impressão que agora tudo podemos. Há paz, um suporte, a segurança de um método, da organização. Nossas cabeças se recostam em encostos macios, um vento sopra - o vento da ilusão. Pois, a selva não seria a selva, se não fosse indomável, incontrolável violência, eterna e inescrutável. Ela vence escondida e se entremeia, fecunda e se reproduz traiçoeiramente. Nós somos, pois, o seu adubo e as suas sementes, o avanço de sua fronteira verde e medonha, as ambições sangrentas de seus dedos galhos. Suas aflorações são alimentos do poder, abraços do terror e da brutalidade, seus infindáveis caminhos perdidos entre as palavras e de um calor úmido - as cidades perdidas, nossos corpos. É como perceber-se de repente, entre plantas famintas e a ganância de tesouros imaginários, entre monstros, feras, insetos, perdições e seus pusilânimes e rastejantes seres famintos ali, novamente, no seu mundo, nosso lar. Para a natureza pura e imaginária de nossos sonhos, apenas os desejos de sobrevivência e beleza é que renasceriam. Mas o que estará ali oculta realmente, desde então, será a verdadeira selva... a selva, a selva. Nem má, nem boa, mas quem nos leva e guia - a inocência, a ignorância. Apenas quem sobrevive lá vê a origem: - a selva, a selva, a selva - o rude cimento de nossas emoções. Quem nos tenta entre o torpor e o calor macio? As traições tem garras impiedosas - o inesperado, o cruel, o poder, o sem esperança, o desespero, o sem escrúpulos. Onde está o meu Deus? Por favor te imploro e me guia, e me diz, e me explica, e me ilumina porque à frente de mim está a escura, impiedosa, indiferente, a urbana selva continua a brotar sempre atrás de cada pensamento e ambição de nossos tolos corações quase domados. Escuta! Rugidos! Fujamos! Para aonde? Estamos perdidos? O paraíso se esconde entre as sombras e o negror das folhas.

a lua chama

a mariposa voa

a luz da chama

a mariposa à toa

a luz é chama

a mariposa vem, voa

a luz da lua

a luz da rua

a luz da chama

a luz é boa

a mariposa se engana

a luz magoa

queima uma patinha

queima outra patinha

queima uma anteninha

queima um olhinho

queima um cantinho

vai o corpo inteirinho

cinzas, pó, sujeira

acumulados

num escaninho


a lua chama

outra mariposa voa

a luz da chama

a mariposa vem

à toa

o amor é assim

sorri

voa,voa,voa...


Era uma vez
uma gaivota tonta
que de si
não podia tomar conta

E a cada vez
que no alçar voo
fez o que fez
à tudo embaralhou.

Até que entendeu
que a natureza
lhe comprometeu
no jogo da presteza.

Assim, hoje em dia
sabe o jugo terrível
e toma a primazia
do que é possível.

Pois, percebeu além
do que imaginava
que gaivota não nasceu
dentro de si
um vagalume ali jazia preso.

Surtando

Saca

quando canções

não me dizem mais nada

abstratos angustiados

debaixo de uma camiseta de grife

sobre um amor danado

que a Amy não resolve

eu

olho pela janela

vendo o cubismo de Picasso

surgir do cubismo de Braque

e se quebrar pelas esquinas

formigantes

pelas luzes

que ainda cantam para

o mundo menos

para mim

que não escuto, nem sinto

além de um acorde depois do outro

sem que o meu ouvido registre

um ai

então

sinto que é preciso

inventar um som precioso

apaixonicizante por alucinismos

e grito como Munch desesperos

Bachbatanas Bachbarrizando

e a razão some pro nada

pedindo socorro ou

por sangue

nas veias excitadas

mineiras ou argentinas

ourisanécticas matissinianas

goyastrais adMiróticas

poetronizéptycas

onde faço faloniciróferas

onde encontro o amor

poltronizado

e

logo

Duchamp canta

no espaço colorido

tecniramificando as sensactions

enquanto eu janto Dubuffet

doces formigas de Dali

como um tubarão

que tem uma jaws abocanhante

como a curvatura pi da terra

com suas pirâmides hieroglificas

e figuras hieráticas

que essas

sim

mandam beijinhos

por debaixo das colunas

e do nariz do sacerdote

como uuummmmmmmmmm

smaaaaaccccckkkkkkk

kkkkk!!!!!!!!!!

!!!!!

!!!

!


Travesseiro me responde
porque amacia tanto silêncio?
O que teu aconchego me esconde?
Será segredos mansos criados sob as cobertas?
Será o afogar de metáforas
que teu dono arrebanha não sei aonde?

Certo que o tranquilo e o escuro
são seus companheiros nessa insana alcova
aonde se aninham os indomados sentimentos
a inundar seus adormecidos pensamentos
às vezes, insones, nervosos
às vezes, puros ou sofridos, temerosos
mas, também aqueles desejos fremidos
que a fantasia a se excitar desova

Porém, quem será o dono tão presumido
a temer sua inspiração violada
e o seu oculto Parnaso de repente percebido?
Não sabe ele que ser Apolo
é não ser quase nada!
E mais vale iluminar seus olhos com o dia
para que a Razão e a sublime Poesia
lhe amem de madrugada?

Se for,
tola imaginação,
às vezes, o travesseiro se arrebenta
e os sonhos nele contidos
serão plumas devassadas
flutuando quando venta
e os versos esquecidos como folhas
de uma árvore seca e amarelenta,
serão, um dia,
lenha seca queimando inútil
numa casa fria que ninguém frequenta.