sábado, 21 de agosto de 2010

O que será?

                                                                                                                                      cena de Asas do Desejo



o que será de mim?
será o tempo meu fôlego?
ou o sopro fortuito do que vem?
será o desejo o meu desenho do que vejo
ou do que sou?
ou será um pretendido espaço destinado à quem vem
mas para quem?
será o risco traçado de uma amanhã perdido
quase apagado
que não me permitirá a que eu um mar pinte
e  não lhe colha suas ondas com tinta?
ou um pássaro que lhe adivinhe o seu voo?
o que será que é o que salva alguém
de uma ilha sem ninguém?

o que será de mim
de um íntimo tão breve,
curta flor de um vaso cristalino
sobre uma mesa polida para um jantar de domingo
em que não se serve bom vinho
e os presentes não retribuem um cumprimento?

e a minha memória tão longa
será sua terra arrasada
tua toda morada?
ou a confiança de toda beleza
ali crescida
essa frágil criança ali, perdida, deitada
agora aquecida, protegida de toda tempestade
por minhas mãos mornas
a dormir sem percalços e sem nenhuma porta fechada?

o que será de mim
se eu vejo amanhã
ou tuas tardes que não esqueço?
será como um rio?
será como a chuva?
será como a lama na luz da estrada?

que me importa, se o sol já seca o caminho e a te encontrar por ela desço
se a felicidade para mim já se revela a ser encontrada
e, entre meus braços, a tomo como parte minha
a que se encaixa perfeita na minha obra inacabada

mas, e se, de repente, as folhas se rasgam e se desfazem
nuvem a fugir entre meus dedos como poeira seca
de um livro sem alma e sem letras a contar uma história complicada?
como saberei sua prateleira?
como identificarei meu destino sem capítulos e um parágrafo final?
como o fecharei a elocubrar o que acontecerá quando a página for virada?

o que será do que imagino?
o que será desses barcos de papel em meu oceano de lençóis e folhas brancas?
mas se o que devaneio é sempre a miragem de uma mente chuvosa,
que por entre trovões e rios em cachoeira, imagina uma sala seca cheia de amigos alegres
felicitando sua chegada com gritos e vivas e taças cheias, confianças sobrecarregadas
em vez de se proteger, e ao seus anos de futuro, em uma cápsula encerrada
numa frágil bolha de garantias materiais, como se ali, o que lhe faz brilhar os olhos,
permitisse o seu eterno aconchego

o que será da noite que curva pelas ruas e desaparece na névoa?
o que será da luz?
o que será do fim?
o que será se nada adianta?
o que será se tudo que acontece, mesmo sem sentido, é o sentido
da parte de uma trama sem sentido que o transcendente trama?
o que será de ti, a alegria que eu acreditava
se não for então essa alegria absoluta e à mim sobrar só ficar pensando, largado nessa cama

será, então, a verdade
um corpo largado
sobre a calçada suja
a ver uma bela morada que não tem a chave
e não conhece o dono para lhe pedir acolhida ou um copo d'água?
ou do nada refulge
o brilho
que nos acolhe querido
e diz
essa aqui é a sua casa!

o que será?
o que será?
o que será?