Eu sou o Marcos Vasconcellos. Aqui eu escrevo o que me der na telha, o que me vem na hora de dormir, quando estou num onibus, ou no meio de um papo chato!
terça-feira, 3 de abril de 2012
As muralhas e as serras brancas
Constrói-se muros. São de pedra, cimento e argamassa. Outros são de granito, magmas impenetráveis ao olhar. Muros e mais muros. Tantos muros a não deixar uma fresta, restos de imagem, uma aragem, um sopro, movimento. Calafetam-se, erigem-se aqui e ali. Outros fragmentam-se. Caliça e ciscos, parede de olho. Isso quando os podemos ver - nem todos protegem a China. Outros são só ruína.
Há os de massa óssea, carne e pele e neurônios, massa de uma farinha que não se percebe, acostuma-se. São pedras que deixamos por acaso, enquanto andamos de janela em janela, a desviar do assunto dos muros. E eles vão crescendo por dentro, separando os sentimentos - um quarto para a aflição, uma sala para a dor - que tranco e esqueço, um quarto para o prazer - que à toda hora eu volto, um quarto de portas abertas para o querer, um mal iluminado e confuso para a ilusão, um compartimento para cada coisa que já sentimos.
Mas as alegrias não. Elas se espalham no jardim, espaço aberto, gritam pela casa, riem, brincam, e outras até correm por dentro de mim. Fartam-se em piqueniques na grama, molham as saias no capim da manhã. E, à frente, ficam as muralhas das serras brancas.
- Que serras brancas se não há montanhas com neve por aqui? pergunto encimesmado.
Será porque no íntimo todo frio é abstrato? E lá ? Quem fica lá, se gela os pés, se resfria a coluna, adormece a pele, tudo se endurece? continuo abestado.
- É simples, respondo à mim mesmo. Lá mora o pavor, o medo absoluto. Então se tem medo e se o medo é o mais frio, é então o melhor construtor. Sua alvenaria é mais sólida e branca, firme cantaria, tudo feito de gelo mais duro - o da tristeza. Os operários não dormem porque gelam de pavor, tremem, sacolejam as carnes e assim fazem crescer as mais altas muralhas, para lhes compensar o tremor, e também como defesa da vergonha de ter medo, que traz consigo todas outras vergonhas.
Os muros são humanos e são a cara do medo. E são tantas voltas emparedadas quantos pensamentos que nascem.
As alegrias não, dissolvem o gelo das serras brancas, conhecem as portas, as aldravas, abrem todas e sobre as portas colocam aquelas placas de wellcome, benvindo, e as espalham por todas as casas muradas das serras brancas e enquanto perguntam se por ali é perto do Polo Norte, se alguém pode emprestar um trenó.
Lá nas serras brancas há uma cidade. Essa cidade é de paredes brancas, mas as casas não tem tetos, os habitantes podem crescer cercados, caramujos de si, a ter medo.As muralhas vão crescendo levando a cidade junto, até o fim da estratosfera. Tão alto, que então os moradores percebem que também são como habitantes da Lua. Aluecem na gravidade zero e voam para o infinito. E, de repente, lá do alto percebem como são pequeninos, quase nada, como as serras brancas.
As alegrias não, sempre o souberam. Não conhecem os muros brancos pintados de cal, nem os brancos porque se cobrem de neve e gelo. Sabem até que as serras nunca existiram, nós as construimos mentalmente. No íntimo, toda essa arquitetura é invisível, todas são limites da imaginação.
As alegrias não, não tem limites. Brilham nos olhos e saltam aos céus. Flutuam. Estão por toda parte!Veja! Lá vai uma!
foto de Albert Lamorisse
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Muito bom!
ResponderExcluirClaudia Colagrande