terça-feira, 29 de julho de 2025

O bom pastor




Que arrogância a minha,
 a de cobrar posições 
de quem quer que seja,
de herói, 
ou de vanguardista, 
de sábio 
ou sequer de apenas de estar
na luta!

E pra que serviram 
essas lutas, 
empresas, batalhas, 
sejam no terreno
do corpo físico 
ou da mente?

Não vencem agora 
de novo 
essas mesmas  
"novas mentiras", 
nossos
"novos enganos", 
as mesmas 
mesquinharias?

Temos ainda 
em mente,
pelo menos, 
os exemplos daqueles
que apenas
com doçura 
foram sábios ,
ou heróis na vanguarda 
das lutas 
de sobrevivência, 
dentro da guerra 
contra a hipocrisia 
e a crueldade?


Os verdadeiros místicos 
são aqueles que sabem que nunca determinarão
onde termina a razão, 
o pensamento,
 e se inicia 
o Abstrato Intangível,
o que não se explica 
apenas com teorias 
e sim 
com o enternecimento 
e o calor de um olhar, 
uma expressão de pasmo 
e submissão ao Intangível.

E percebe daí , 
então, 
como exercer o perdão, 
porque este,
que é o fundamento 
do grande místico, 
é a simples compreensão
de saber falível, 
de se saber 
quão pequenos e torpes 
podemos ser,
apesar de lutarmos 
pela imagem 
de grandes homens, 
porque somos
mínimos, 
um nada, 
que viemos de uma massa 
disforme microscópica,
que passou a viver 
e, desde então,
luta por isso 
como pode.

E, portanto, 
dessa relação 
podemos compreender 
nossa frágil qualidade 
de seres humanos, 
animais que lutam 
por condições melhores, 
sejam de vida, 
sejam de dignidade,
ou pelo que se ama

E, daí, o perdão, 
pelo entendimento 
àquilo que se ama 
e nossa insignificância.

Então, quem são 
esses grandes homens 
agora?
Esses grandes sábios 
ou cientistas?
Costuramos 
o incompreensível 
e natural sentido do acaso, 
do destino que vem do caos, 
à uma razão qualquer, 
assim como
meu pai ou meu avô 
costuravam panos 
em sua alfaiataria.

O acaso, 
a coincidência, 
é uma grande parte 
da Razão.
Mas agora 
morreu o romantismo, 
assassinado 
pela Razão,

Só nos surpreende 
a tecnologia, 
não apenas o techno, 
seu uso,
o fazer,
mas sim,  
a surpresa da invenção 
da técnica à serviço
do capital.

E o capital da generosidade?
E o investimento da verdade?
E os atos que achamos bons por suas consequências?
E a possibilidade 
do sentimento e do amor?
Dominamos os crimes?
Justificamos os demandos?
Reprimimos a violência?
Os homens deixaram 
de explorar os outros homens?

Tudo é relativo 
e tudo deve ser considerado.

A razão 
traz um lado maravilhoso, 
da praticidade, 
da compreensão
de tantos mistérios, 
mas não pode 
exterminar o que é humano,
o sensível, 
a única coisa que em nós, 
seres viventes, 
nos surpreende
incondicionalmente.





Meu pai, 
na infância, 
foi pastor de cabras, 
como tantos sábios
o foram antigamente, 
e de lá vieram 
com suas pequenas luzes 
até seus reinos infinitos.

Mas, apesar de envolvido 
na ignorância, 
ou inocência,
pelo desconhecimento, 
não teria ele sido 
mais feliz naquela época?
Não venceu o caminho obscuro 
até as trilhas na luz do dia?
Não tinham mais esperanças?
Mais sorrisos, 
apesar dos dias difíceis, duros?

Ou apenas tinha a doçura 
com que afagava cada ovelha
no seu focinho, 
enquanto elas mansas 
pastavam contentes 
o seu capim?

Porém, 
da rusticidade 
e das intempéries, 
ele se consolava
de imediato 
e considerava 
como um pagamento autêntico,
quando uma delas 
o olhava, 
como que dizendo, 
se nos afaga 
é porque é 
bom pastor!





O tempo é manso 
e a grama macia.
Meu bom pastor, 
o verde que nos aponta 
é apenas
o cuidado de tuas mãos 
e o amor, 
o calor dos teus braços, 
quando às vezes 
nos leva no colo.
Nos conduz 
até onde possamos 
nos aquietar seguras,
na sombra de brancas nuvens 
e à luz plácida das estrelas.
À cada noite, 
deixa-nos nos aquecer 
à volta da sua fogueira,
e nos protege dos lobos, 
porque és 
o bom pastor.


O amor, 
o sentimento mais elevado 
e humano,
vale mais 
que a técnica 
que o capital impõe.
Porém, 
talvez seja tarde 
para uma reconciliação.

Mas não basta apenas à ti, 
seus discursos adocicados
e sentimentais, 
tuas canções, 
que feliz compõe, 
para termos a certeza 
da sobrevivência 
de uns anos a mais
nessa natureza cruel 
e traiçoeira 
que a ela própria 
reinventa e aprimora, 
e que dela somos frutos
e ainda não a transcendemos.





Contudo, 
lá na infância o rebanho 
se aconchega, 
o pastor a reúne 
para que não se percam 
uma da outra.
Ele olha a mais velha 
que parece dizer: 
não tenha medo
te compreendemos, 
te obedeceremos.

E só sentirmos 
o calor meigo dos teus dedos, 
para sabermos de ti, 
que o caminho 
pode ser de pedras rudes,
mas traz a certeza 
de que há um dia 
um pasto mais verde adiante.

Durma tranquilo, 
que nós te  vigiamos, 
e o que necessitas
e o até o que não  necessitas 
nós lhe daremos.


O bom pastor 
é aquele a quem o rebanho 
cerca por livre
e espontânea vontade.
É aquele 
que nos deixa livres 
e felizes 
e, no entanto,
nos protege com coragem,
nos aquece no inverno, 
acende a sua fogueira,
e nos aponta o horizonte 
com a vida tranquila.


Dorme, meu menino
e usa nossa lã macia.
Aconchega tua cabeça 
e descansa em paz,
porque, 
acima de você, 
a sua luz está a brilhar
e a noite 
é como nossa lã, 
teu abrigo entre os céus.

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