terça-feira, 29 de julho de 2025

O que nunca se imaginou





                                                                                                 foto de Parke Harrison



o que me soa à hora primeira
faz de mim não mais esse corpo largado
esse meio que náufrago do silêncio
a ver seu navio
nave rôta
afundar em seu peito encapelado
sob a nuvem do des-sinto

pois não há mais um outro,
o além de mim,
o trânsito do acompanhamento,
pele soando sobre outra pele,
afundando em teu meu
o eu que sempre te apresentei íntegro
entregue
e feliz


Não, agora talvez pressinta
que nada tem de ser assim
a sessão não acabou
posso ouvir que a vida não te tranca numa gaveta
e o mar tem vários humores
mas ainda não chegou aonde estou

então, caminha até lá
tenta
encontra tua nave logo ali
no limite do que se conhece
e sobe à bordo

daí
então
levanta a vela
e parte para o desconhecido
que o novo mundo te aguarda
o mar é imenso
mas, um dia
com certeza ouvirá
Terra à vista!
o paraíso chegou
e você esquecerá as tormentas
sob a selva do que nunca se imaginou 
a tua paz




                                                                                                 foto de Parke Harrison

O bom pastor




Que arrogância a minha,
 a de cobrar posições 
de quem quer que seja,
de herói, 
ou de vanguardista, 
de sábio 
ou sequer de apenas de estar
na luta!

E pra que serviram 
essas lutas, 
empresas, batalhas, 
sejam no terreno
do corpo físico 
ou da mente?

Não vencem agora 
de novo 
essas mesmas  
"novas mentiras", 
nossos
"novos enganos", 
as mesmas 
mesquinharias?

Temos ainda 
em mente,
pelo menos, 
os exemplos daqueles
que apenas
com doçura 
foram sábios ,
ou heróis na vanguarda 
das lutas 
de sobrevivência, 
dentro da guerra 
contra a hipocrisia 
e a crueldade?


Os verdadeiros místicos 
são aqueles que sabem que nunca determinarão
onde termina a razão, 
o pensamento,
 e se inicia 
o Abstrato Intangível,
o que não se explica 
apenas com teorias 
e sim 
com o enternecimento 
e o calor de um olhar, 
uma expressão de pasmo 
e submissão ao Intangível.

E percebe daí , 
então, 
como exercer o perdão, 
porque este,
que é o fundamento 
do grande místico, 
é a simples compreensão
de saber falível, 
de se saber 
quão pequenos e torpes 
podemos ser,
apesar de lutarmos 
pela imagem 
de grandes homens, 
porque somos
mínimos, 
um nada, 
que viemos de uma massa 
disforme microscópica,
que passou a viver 
e, desde então,
luta por isso 
como pode.

E, portanto, 
dessa relação 
podemos compreender 
nossa frágil qualidade 
de seres humanos, 
animais que lutam 
por condições melhores, 
sejam de vida, 
sejam de dignidade,
ou pelo que se ama

E, daí, o perdão, 
pelo entendimento 
àquilo que se ama 
e nossa insignificância.

Então, quem são 
esses grandes homens 
agora?
Esses grandes sábios 
ou cientistas?
Costuramos 
o incompreensível 
e natural sentido do acaso, 
do destino que vem do caos, 
à uma razão qualquer, 
assim como
meu pai ou meu avô 
costuravam panos 
em sua alfaiataria.

O acaso, 
a coincidência, 
é uma grande parte 
da Razão.
Mas agora 
morreu o romantismo, 
assassinado 
pela Razão,

Só nos surpreende 
a tecnologia, 
não apenas o techno, 
seu uso,
o fazer,
mas sim,  
a surpresa da invenção 
da técnica à serviço
do capital.

E o capital da generosidade?
E o investimento da verdade?
E os atos que achamos bons por suas consequências?
E a possibilidade 
do sentimento e do amor?
Dominamos os crimes?
Justificamos os demandos?
Reprimimos a violência?
Os homens deixaram 
de explorar os outros homens?

Tudo é relativo 
e tudo deve ser considerado.

A razão 
traz um lado maravilhoso, 
da praticidade, 
da compreensão
de tantos mistérios, 
mas não pode 
exterminar o que é humano,
o sensível, 
a única coisa que em nós, 
seres viventes, 
nos surpreende
incondicionalmente.





Meu pai, 
na infância, 
foi pastor de cabras, 
como tantos sábios
o foram antigamente, 
e de lá vieram 
com suas pequenas luzes 
até seus reinos infinitos.

Mas, apesar de envolvido 
na ignorância, 
ou inocência,
pelo desconhecimento, 
não teria ele sido 
mais feliz naquela época?
Não venceu o caminho obscuro 
até as trilhas na luz do dia?
Não tinham mais esperanças?
Mais sorrisos, 
apesar dos dias difíceis, duros?

Ou apenas tinha a doçura 
com que afagava cada ovelha
no seu focinho, 
enquanto elas mansas 
pastavam contentes 
o seu capim?

Porém, 
da rusticidade 
e das intempéries, 
ele se consolava
de imediato 
e considerava 
como um pagamento autêntico,
quando uma delas 
o olhava, 
como que dizendo, 
se nos afaga 
é porque é 
bom pastor!





O tempo é manso 
e a grama macia.
Meu bom pastor, 
o verde que nos aponta 
é apenas
o cuidado de tuas mãos 
e o amor, 
o calor dos teus braços, 
quando às vezes 
nos leva no colo.
Nos conduz 
até onde possamos 
nos aquietar seguras,
na sombra de brancas nuvens 
e à luz plácida das estrelas.
À cada noite, 
deixa-nos nos aquecer 
à volta da sua fogueira,
e nos protege dos lobos, 
porque és 
o bom pastor.


O amor, 
o sentimento mais elevado 
e humano,
vale mais 
que a técnica 
que o capital impõe.
Porém, 
talvez seja tarde 
para uma reconciliação.

Mas não basta apenas à ti, 
seus discursos adocicados
e sentimentais, 
tuas canções, 
que feliz compõe, 
para termos a certeza 
da sobrevivência 
de uns anos a mais
nessa natureza cruel 
e traiçoeira 
que a ela própria 
reinventa e aprimora, 
e que dela somos frutos
e ainda não a transcendemos.





Contudo, 
lá na infância o rebanho 
se aconchega, 
o pastor a reúne 
para que não se percam 
uma da outra.
Ele olha a mais velha 
que parece dizer: 
não tenha medo
te compreendemos, 
te obedeceremos.

E só sentirmos 
o calor meigo dos teus dedos, 
para sabermos de ti, 
que o caminho 
pode ser de pedras rudes,
mas traz a certeza 
de que há um dia 
um pasto mais verde adiante.

Durma tranquilo, 
que nós te  vigiamos, 
e o que necessitas
e o até o que não  necessitas 
nós lhe daremos.


O bom pastor 
é aquele a quem o rebanho 
cerca por livre
e espontânea vontade.
É aquele 
que nos deixa livres 
e felizes 
e, no entanto,
nos protege com coragem,
nos aquece no inverno, 
acende a sua fogueira,
e nos aponta o horizonte 
com a vida tranquila.


Dorme, meu menino
e usa nossa lã macia.
Aconchega tua cabeça 
e descansa em paz,
porque, 
acima de você, 
a sua luz está a brilhar
e a noite 
é como nossa lã, 
teu abrigo entre os céus.

MUNDOS






O amor 
é um idioma 
que só 
um sexto sentido escuta 
quando é falado

pois é a língua corrente
de um mundo 
que sonha outro mundo
que o escuta
sem saber 
que o mundo que quer
já está ali escondido 
ao seu lado!

Descobertas











o horizonte existe

não duvide
dentro do que a gente vê e não alcança
por detrás dos olhos
dentro deles

o horizonte mora quieto
é belo
e parece inalcançável

é como o silêncio de uma festa
até que explode 
como um foguete de artifícios
ou um beijo do inesperado

é como um pardal que voa e voa
e procura entender do que é feito o azul
e escapa de tudo que não é azul
ou que não é ainda azul






hoje
o horizonte de mim 
surgiu à minha vista
vasto e veloz
unificador
uma nuvem ou linha mágica
me traçando um fim
um limite infinito a derivar
sem nenhum plano para navegação até ele
mostrou apenas uma rota para o mistério
arriscando a longínqua hipotenusa
querendo imposição de uma descoberta
além do que parco imagino

antes guiava
doidas barcas apocalípticas
negava qualquer meta perdida
como hoje, meu querer, meu afeto
o impossível, o invisível
ou o corpo do outro a se entregar

por isso
desbravei também oceanos em fúria
até a terra descoberta
aventura
o país da selva oculta em cada um
e à cidade perdida
que alcancei em segredo
e me descobri
desenterrando um deus que não era de pedra
mas vivo

mas antes
coletei esperanças
fui destemido
e me lancei
contudo, a sorte então
me surgiu em surto
me arrancou
me jogou
me bateu 
como a borrasca maltrata
e lança naus 
sobre os recifes



                                                                                 foto de Frank Hallam Day



porém
me agarrei à coragem 
como um salvavidas
sobrevivi ao naufrágio
e venci
fui até a praia respirando
como a vida que há lá
ao longe
no horizonte perdido

aquele 
que lhe fixa os olhos
doce afago
trêmula aflição
e me misturei
me integrei
me afoguei
em desejos refeitos
mar de carne antes do repouso




terminara enfim 
todo confronto
como quando imaginei 
que ainda não chegaria 
à terra
sem horizontes
porém, 
graças à Deus
entendi que não!
A gente sempre 
se engana!

Mas, 
naquele momento,
ao contrário,
já estava em meu ponto 
de encontro
a descoberta daquele paraíso 
que é só meu
que está ali
ou aqui
peito aberto
até onde 
o que se realizará

acena feliz por sua presença
sem frestas
sem medo
e à frente apenas estamos nós
unindo-se ao secreto derradeiro
o objetivo de uma vida
em ajuste

deixando impérios desconhecidos
a conquistar suas lutas ou destemperos
o horizonte de mim
essa união a ti 
não passiva

pois agimos, arrojamos e conseguimos
pois, toda vitória
casa com o horizonte
tange nossos fluxos
e ali se une

te abraço
sinjo fundo o que posso
e pleno da tua aliança
e o continente agreste emerge
por trás dos corais e recifes
salvação




nossa nau de união foi nosso olhar
nosso porto, teu leito
nossa ilha, todo fogo

é o dessonho sonhado
porque é real
e até a íngreme montanha escalamos
e o longe agora perto uniu-se
num íntimo cume

o horizonte é onde para sempre estaremos
o horizonte em nós
o horizonte que são seus olhos
meu pardal
meu vôo
e juntos entendemos de que cor é feito o azul
e porque o azul será sempre
o azul
 
 
 
 
 
 
 
 
 

olhos fugitivos



súbito levantar
e a noite me escapa
a consciência turva sob o lençol
lenta do tempo inconsciente
algo que me angustia
me chama ao quarto apagado
agora deserto sem areias
agora espaço preso no escuro sem ventos
marcha sem passos, sem scirocco ou sem simun
entre o que se passou e o que não foi acabado
corrida sem aventuras
dormência na vertigem da alma


será esse momento como a caravana a vagar entre as dunas dos meus mistérios?
será que dá voltas sem ver a cidade ao longe
ou algum oásis, que nos descanse do que vai acontecer?
será melhor, então, me agarrar as lembranças
ou imaginar logo o que, com o amanhã despontando, devo fazer?



                                                                                                foto de Weston


ou será que é melhor me despojar de tudo
e inventar um novo despertar, um novo diálogo
esquecer os dias passados, tormentos e agruras
e sorrir para o feliz futuro que desejo que aconteça?


será esse amanhã a manhã do último dia?
a inescrutável questão de todo os dias
e todas as noites
e todas as horas
e todos os segundos
e do justo agora?
na verdade, tudo me apavora
não sou um super herói que a platéia adora
antes parvo observador das horas
temeroso aventureiro do acontecer
que pelo andar da carruagem
estacionou-se em contemplar o precipício
que despenca para dentro de sua mente
e divorcia do amor que tem pelo dia
e se amazia com o ávido prazer
que a atmosfera em breu lhe tem a oferecer
sabe-se impotente para os minutos
que escorrem pelos dedos
lhe cegam
lhe entopem
lhe afogam na areia do deserto
gigantesca ampulheta
que nenhum caminho evita por desvios
para que veja o mundo se esquecer

melhor me fazem os olhos
que não mais procuram um qualquer futuro
o que ainda não se pode prever
e descem a cortina do distanciar
do sobressalto de tanto murmúrio e incógnitas
desligam a luz do cômodo
e tudo se apaga
e deixam o sono me conhecer
e sonho
Boa noite!





































































































































t
r
i
s
t
e
z
teza
dura
dura
ruge
moe
mura
tritura
cora cora
chora cara
ora ora ora
ora ora ora
a cara rouge
ruge ruge ruge
ruge ruge ruge
ruge ruge ruge
- corta -

O monstro

esse monstro medonho 
agora me ataca
eu frágil
eu risonho
eu temeroso
eu só coragem
eu despreparado
eu pronto agora
eu perdido de aqui estar, me atraco contra sua fúria e seguro sua pata
e lhe aplico todos os golpes que sei
urro
xingo
grito
esmurro
bato
passo rasteira
torço seu braço
chuto seu corpo
me amaldiçoo por não ser um herói de um blockbuster milionário
e continuo o embate sangrento
evitando seus dentes amarelos, gosmentos e carniceiros
tremendo pelo esforço de com a tremenda besta lutar





esse monstro medonho agora me ataca
rolamos pela lama, rocha e terra, sangue e lama, sujo e cansado nesse esforço
eu embolado
eu prisioneiro em luta, talvez com um fruto da minha imaginação que algum remorso encerra e agora liberta para se vingar
mas que não tem dó 
e piedade foi um sentimento que nunca conheceu
e que também não aceito enquanto viver e puder brigar


                                                                                                            cena de Vinte mil léguas submarinas



esse monstro medonho agora me ataca
vil, violento, impiedoso embate que nunca compreendi
como ainda nada compreendo até hoje
como vencer
como suportar o que sei, o que vi, incógnita surpresa
esse gigante em espirais surge, ruge e golpeia como Bruce Lee





esse monstro agora me ataca
e agora sei que dele também faço parte, todos já esperavam isso em mim
afinal, assim se delineia o sucesso, essa é a vitória  - ser  Arte
existir é assim, como ser um Artista que se abstrai pelo amor, para além do comum e da hecatombe
e apesar de sofrer, a rodopiar em um grotesco motor, que é o Todo
o sentir nosso - o Dele
onde vou do onde vamos, onde estou...
somos todos um só
dentro Dele estamos
até que não nos consideremos separados
não há nada à parte
mas tudo mudou

todos somos monstros
todos somos anjos
todos somos esse Ser puro que amamos
penso
e sinto
não há mais fera
e tudo em mim levitou



As muralhas e as serras brancas



     Constrói-se muros. São de pedra, cimento e argamassa. Outros são de granito, magmas impenetráveis ao olhar. Muros e mais muros. Tantos muros a não deixar uma fresta, restos de imagem, uma aragem, um sopro, movimento. Calafetam-se, erigem-se aqui e ali. Outros fragmentam-se. Caliça e ciscos, parede de olho. Isso quando os podemos ver - nem todos protegem a China. Outros são só ruína.
     Há os de massa óssea, carne e pele e neurônios, massa de uma farinha que não se percebe, acostuma-se. São pedras que deixamos por acaso, enquanto andamos de janela em janela, a desviar do assunto dos muros. E eles vão crescendo por dentro, separando os sentimentos - um quarto para a aflição, uma sala para a dor - que tranco e esqueço, um quarto para o prazer - que à toda hora eu volto, um quarto de portas abertas para o querer, um mal iluminado e confuso para a ilusão, um compartimento para cada coisa que já sentimos.
     Mas as alegrias não. Elas se espalham no jardim, espaço aberto, gritam pela casa, riem, brincam, e outras até correm por dentro de mim. Fartam-se em piqueniques na grama, molham as saias no capim da manhã. E, à frente, ficam as muralhas das serras brancas.
 - Que serras brancas se não há montanhas com neve por aqui? pergunto encimesmado.


Será porque no íntimo todo frio é abstrato?  E lá ? Quem fica lá, se gela os pés, se resfria a coluna, adormece a pele, tudo se endurece? continuo abestado.
 -   É simples, respondo à mim mesmo. Lá mora o pavor, o medo absoluto. Então se tem medo e se o medo é o mais frio, é então o melhor construtor. Sua alvenaria é mais sólida e branca, firme cantaria, tudo feito de gelo mais duro - o da tristeza. Os operários não dormem porque gelam de pavor, tremem, sacolejam as carnes e assim fazem crescer as mais altas muralhas, para lhes compensar o tremor, e também como defesa da vergonha de ter medo, que traz consigo todas outras vergonhas. 
    Os muros são humanos e são a cara do medo. E são tantas voltas emparedadas quantos pensamentos que nascem.
    As alegrias não, dissolvem o gelo das serras brancas, conhecem as portas, as aldravas, abrem todas e sobre as portas colocam aquelas placas de wellcome, benvindo, e as espalham por todas as casas muradas das serras brancas e enquanto perguntam se por ali  é perto do Polo Norte, se alguém pode emprestar um trenó.
     Lá nas serras brancas há uma cidade. Essa cidade é de paredes brancas, mas as casas não tem tetos, os habitantes podem crescer cercados, caramujos de si, a ter medo.As muralhas vão crescendo levando a cidade junto, até o fim da estratosfera. Tão alto, que então os moradores percebem que também são como habitantes da Lua. Aluecem na gravidade zero e voam para o infinito. E, de repente, lá do alto percebem como são pequeninos, quase nada, como as serras brancas.
    As alegrias não, sempre o souberam. Não conhecem os muros brancos pintados de cal, nem os brancos porque se cobrem de neve e gelo. Sabem até que as serras nunca existiram, nós as construimos mentalmente. No íntimo, toda essa arquitetura é invisível, todas são limites da imaginação.
    As alegrias não, não tem limites. Brilham nos olhos e saltam aos céus. Flutuam. Estão por toda parte!Veja! Lá vai uma!

                                                                                               foto de Albert Lamorisse




A vidente

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uma vidente me revelou que a minha vida acabara
                                                       que terminou
mas só porque eu estava aqui
                                       agora
                                       onde eu piso
                                       onde estou
porque ela 
( a minha vida )
não vivia aqui comigo
porque rolava lá ..............................bem lá longe
e não por onde eu sempre sigo


porém
se não for aqui
em que lugar seria
se não é onde estou?





não adianta imaginar
as infinitas maneiras
de aqui não estar
mas a minha vida vivendo
a minha vida acontecendo
à parte
em algum outro lugar
em qualquer outro lugar
                            ou aqui           
                            ou ali
                                       lá                                
                             ou acolá
ou até na Conchinchina
talvez em além mar
ou no Turquistão
não sei





aí pelo  ar 
disse ela
vendo o meu futuro
abanado as mãos e dispersando dúvidas
espera
que um dia vai chegar até ......lá
no mesmo lugar
aonde você vai encontrar
o seu destino
nem que você não queira esse tal destino


                         desenho - Bola de Cristal -  Escher


essa é a pergunta 
como chegar onde não sei que se está?
e se isso é verdade
além de me fritar os ossos
me deixa cego
surdo
e mudo
e catatônico
porque me fez aparvalhado
e não sou idiota
porque devo ter errado em algum  lugar
                                                    no presente
                                                    ou no passado
                                                    ou até ontem
                                                    ou agora

e posso deixar de estar na minha vida
por ter pego o caminho trocado
ou ter esquecido
ou passado do ponto, distraído
e acabei num mundo do equívoco
onde nada é pra mim
e está tudo errado!

                                                                   
foto de Mc Cartney


o que mudou minha vida inteira?
como iria eu
não querer viver
a minha própria vida
se dela dependo
para poder viver......... a vida certa?
e que agora está perdida
não sei onde!
em algum lugar .........na minha esteira
posso estar vivendo a vida de alguém que nem conheço

ou a sua que lhe quero bem
ou a do porteiro quando faz a faxina
ou a do motorista daquele fiat sujo e arranhado
ou  a de um bandido que agora esteja preso sendo interrogado
ou a de um mestre cuca a lhe servir um prato fino
ou um milionário infeliz, velho, desbocado e feio
ou o garanhão que se faz parecer tímido, depois avançado
ou a de um astronauta devastado
por sua insignificância no espaço
ou aquela mulher de bíquini
ou até mesmo ser aquela mosquinha ali andando na poltrona
ou uma bactéria que caiu dela 
e sumiu no que nunca vi 



mas como posso viver a minha vida?
ou como encontrar a que ainda é minha
se ela me estiver esperando até agora
por falta do seu herói atrapalhado?





chego à uma conclusão
dessa situação surrealista
e solucionarei como posso
da seguinte e sensata  maneira:
 porque me preocupar de antemão
com o que não chegou à vista?
se há alguma verdade
ou não
virão com elas os meios
pra que ela exista





vida certa e errada
não existe
por mera antecipação

o que vier
            será luta
para que a conquiste
                            e realizá-la
como a descoberta de um estranho e selvagem país

                                                                        foto de Henry Cartier Bresson



ou a invenção mirabolante do aeroplano
que depois virou avião
que depois virou foguete
que depois virou satélite
que foi abduzido por um disco voador
numa canção baiana
que fez muito sucesso

cada um
tem diante de si
à si próprio
               em cada momento
               em cada segundo
               em cada gesto
               em cada ação
torturante ou não
inebriante ou não
inteligente ou não
correta ou não
egoísta ou não
a exclusiva responsabilidade
por aquilo que escolhe
ou que se deixa escolher
          se sai do emprego onde te tratam feito coisa
          e lhe pagam mal
          se enforca o feriado
          ou quem não lhe paga o aluguel por malandragem
          se sorri quando não obtém um elogio verdadeiro
          ou desmascara a falsidade 
          se pega um ônibus lotado ou um táxi caro e amarelo
          se sai do armário e assume a dignidade do que é
          ou se continua um covarde
          se vai ao supermercado ou rola na cama mais um pouco

todo mundo tem que ser aquilo que é
doa o que doer
ou não

sei que há momentos
em que é impossível alternativas
e
à essas
só há uma decisão
lúcida e imaginativa
           que não há decisões
           apenas saber
           como tirar uma lição
           ou descobrir um viés positivo
           depois subir ao palco
           para revelar seu personagem
           desvendar a trama
           e entregar o vilão

mostrar em tudo a poesia
e quando a cortina desce
que se espere
aplausos

e por nossa parte
a compreensão
e a moral da história
                   se tiver
                   e que talvez
                   só a nós mesmo
                   interesse

se uma vaca vai pro brejo
ou vai pro pasto verde
tem que se saber
de quem é o mérito
quem ou o quê
a fez chegar lá
o pastor deve ser
o culpado ou o herói?
a estrada está errada
ou é atalho?
e o brejo pode ser
raso e cálido
e o pasto
a entrada do curral
prévio ao seu pronto retalho

quem pode garantir qualquer coisa?
quem pode prever com certeza o que vem?
quem pode dizer que essa vida que você vive
é a sua vida certa
a premeditada
a que está no seu programa?
ou se a verdadeira era estar numa caravana em Nínive?
ou amarrado no trilho de um trem?


afinal
vamos em frente
a viver todo esse delírio que
convenhamos
é muito além do que se pensa

talvez seja
para apenas se saber
aonde
entramos na contramão

ou
se isso
agora
não faz mais
nenhuma diferença
que tudo é besteira
e que a vidente devia é vender mesmo
abacaxi
na feira

O velho e o lago


                                                                        
foto de Brassai


A rua está vazia
as calçadas não tem ninguém
  se há sons
    feitos lá fora
devem ser
cães
que ladram
pra quem não vem



                                                         foto de Hewitt Garret

devo me aquietar
nessa hora
pra que meus olhos
se fechem

não há anjos
 que esperem

nem fadas
nesta história

se problemas
viessem então
teria que os trancar
na memória



aquietar-se
 toda noite
é como um lago descoberto





peixes nadam por dentro
o vento sopra
por perto
                                                                                                   foto de Henkji Koen Tjoro



mas atravessá-lo
porém é necessário
se na margem o sossego
é precário

 eu
me conheço tanto
como à esse lago
um velho pescador
                                                                                                             foto de Araquem


se há vento ao contrário
posso não chegar aonde vou

a mente é um barco genioso
pois tem vontade própria




mas o lago
é o mistério da vida
e nunca saberemos exatamente

como num gozo

se foi nosso comando
que lá
nos levou.







Adormecendo

A
DOR
DORME
MAS SE DÁ
ADORMECIDA
JE SUIS SI DOWN
NÃO
SE
DÁ A DOR
DORME SIM
ADORMECIDA
ME EXCITA
CITA
O
SIM
E
ME
CEDA
DORME TÁ
BEM CEDO
QUE O MEDO
MORRE
VAI
DORME
O FIM DA
DOR ENORME
NA MANHÃ AÍ
LUZ MORNA
MORRE DOR
MORRE
E
SE DO
AMOR MORRER
AMOR CEDA DOR
DOR DORME DORME DOR
A BELA ADORMECIDA DORME
ADORMECE ADORMECE ADORMECE
MERECIDA SE DOMINA A DOR SAI SE DORME
E SE DÁ A DOR SE DÁ A SEDA E DOR A DOR SE
TROCA TROCA TROCA TROCA TROCA TROCA
AMOR
AMOR
AMOR
AMOR

Queda dágua



Sofro em mim
lá tão profundo
de ver o acontecer de mãos atadas
que agora desisto do que nela se inclue
do que surge
em termos de acreditar não ser nada
que não está acontecendo
me iludir, 
me enganar radicalmente

Me recuso a ser
como um prisioneiro,
ou guarda de cela
à essa obrigação imposta
à essas grades
ao que me obriga
a ver sempre
essa mesma paisagem.

Também não quero
adotar um vício enganador
para que a festa continue da noite
até o dia que me aprouver
com pessoas que não existem
a surgir iluminadas 
por luzes ilusórias
à luz de vela
ou à luz 
do que eu possa imaginar

Quero que eu construa um real
quase real
entretanto sem a dor
de não poder atravessar
o que é escuro
num vôo até as janelas abertas
para o dia claro

Canalizar esse sentir
tão caudaloso
que me faz desaparecer
quando mal
a noite chega à beira
na escuridão

quando essa substância
não me deixa ver
que é uma corredeira
e que nela habitamos
sem a conhecer
embrulhados
rolando por dentro dela
a vida inteira

se transformando
numa gigantesca queda'água
incontrolável
que chamamos
de inconformismo
e que inunda
a cidade 
dos sensíveis!
                                 
                                                                                                                                foto de John Pfah


Sofrer é
no entanto
como de mim venho a saber
- se à mim ou ao não ser
pertenço
quer queira
ou não queira.

Porém
não há de tornar-se perpétuo
porque nada mais é eterno
ainda mais, tão cruel se revela
que não é o que eu quero
acordado
e nem dormindo
nem lúcido
nem alucinando
me perpetuando
a me vitimizar sob esse teto
inundado por tal fluência poderosa
a impiedosa produção da natureza

                                                                                               foto de John Pfah


Contudo,
dessa revolta contra
o que não dou conta
me conscientizo
que toda queda d'água traz a força
que produz energia
e que justo desse manancial
o potencial se produz e revela
o que dali trabalha, cria
para que surja algo novo
e reconfortante

algo que avise
a quem lhe encontre
de como supera-la
como encontrar um barco corajoso
e indomável que a atravesse
ou  a ponte imaginária suspensa
sobre o que sabemos
que existe e não domamos

por enquanto
pois sei que amanhã tudo muda
- como será com ela -
a primavera não inverno
rio manso e límpido
colorido ou aquarela
onde todos se divertem e nadam

Aí corro e me jogo n'água
arranjo um barco
e velejo sem rumo
e, quando dele eu sair
eu pinto outra tela






Cores



                                                                                         foto de Thomas Ruff

Cores

Agora só penso com cor

cor de cor que foge 

quando se encontra sem cor

cor de céu imenso

cor amarela de quando 

o dia de aniversário é amanhã

cor de um sonho esquecido

cor das flores que caem 

quando você chega

cor invisível porém palpável

cor indigesta mas tratável 

com chás e boas noites

cor do mar quando se chama 

uma sereia

cor do caminhão desabotinado 

pelas estradas 

do não-sei-onde-vai-dar

cor avarenta sendo passada pra trás

cor dos seus olhos 

quando vêem um quadro meu

cor do lugar que é belo como você

cor da selva, da selva, da selva

cor de ninguém daqui

mas de alguém 

a carregar água atrás das serras

e vê um pingo cair à cada passo

e cor do breu se dissipando 

atrás da porta que fechei

porque descobri que é o amor 

que colore tudo

e porque tudo fica tão colorido

quando penso

em você!

























A imensidão e o poeta



 
                          
                            
 
                                                                                Foto - Ralph Graef
 
 
 
Estou olhando
para o meu umbigo
e não vejo nada 
do que queria ver

estou olhando 
para o meu umbigo
e as ruas não clarearam 
e nenhum poeta apareceu

pena, 
porque queria entender 
mais de mim
queria ver um azul 
que sei dentro de mim
e que só ele sabe
o poeta

pois, 
o poeta 
é que é um sábio
por entender 
de imensidão
mas que 
só vê claro 
o que é impossivel,
o que se esconde 
numa noite imaginária
de nossa precária lucidez
que não entende nada,
nada.

E eu, 
tão simples 
e tão comum, 
sou possível
deixo a luz passar 
através de mim,
e jogo a rede 
de pescar maravilhas
para tudo além 
de meu próprio 
e tolo umbigo.

quem sabe 
não consigo 
pescar a metáfora
ou idiossincrasia 
que resolva 
toda solidão?

É, 
amanhã é outro dia
e a vida é mesmo imensa
imensa!

Dorme em mim o que sonho

                                                                                                                                     foto de Ralph Gibson


Dorme em mim o que sonho
dorme em mim o que se perdeu
vaga à noite de tantos cielos
e à cada um 
uma luz se prometeu

E, agora que abro os olhos,
não enxergo o que vi dormindo
minha cabeça procura um nexo
que ao dormir surgiu sorrindo
sorriso de saber o que não existe
enquanto me vejo aqui existindo.

Toda vida me perdi nesta busca
do que não existe a não ser dormindo
se valeu tanta briga, tanta luta
só saberei no escapar das horas findo

talvez mesmo só exista eu nesta gruta
do mundo desperto mera sombra seja
desfeito o sono em mim 
aflita imagem exulta
o infinito espanto que a claridade reja

Assim, prefiro a fuga
de não ver o que não pressinto
invento solto no céu sem lua
sou feliz se assim sinto
criando o gozo que dentro de mim atua
durmo e assim descortino o ponto
durmo, a vida é aqui feliz e perfeito encontro
do que almejo com a realidade nua







Delirio

                                                                                                                  foto de Andre Kertesz




Como ser tamanha quimera
se nem sei como que fui o que fui
se afasta de mim ser aqui na vera
o que foi de mim que não flui

E assim parte a ser tal assombro
da divisão dos caminhos seguidos
não resta de mim só escombros
não deixa tantos anseios assim perdidos

porque não anseia o que não se vela
pois este é o sinal de todo o desejo
senão como querer o que não se observa
e se não o vejo, como então o cortejo

Assim delineia-se uma conclusão
pode ser que eu não seja o que imaginei
talvez melhor ou pior conforme a ocasião
mas ainda resta o porvir do que eu não sei

e este eu o quero que venha, 
de nada eu sabendo,
para que seja 
o que reaja com autenticidade
e assim se aflorará 
o que há de mim de verdade
se for o que sonho, 
assim não mais sonharei 
eu o sendo.




E se



encontrar
 o Eterno



e

 for permitido

 Dele

 extrair
todo saber
resumido
e
todo
o existir
 e muito mais
do que eu penso

tudo
será integralmente
 reproduzido
num doce sorriso
e luminoso silêncio

e

nada dito