quinta-feira, 4 de março de 2010

Antes de dormir



Quão vão escrever o que não ouso dizer! Será que me é possível também senti-lo? A solidão e o oculto me dão coragem de ser o que nunca fui. Contudo, quase não sou agora, mas apenas sinto e por isso não há como negar-me. Vivo e sou entre os pingos da chuva que ouço. Enfrento o medo que sempre tive; cada respiração é o que me entrega. Sou apenas de carne e osso, sentimento. E tenho de me reinventar inteiro e, no inteiro, fazer a vida fluir de novo. Mas, isso, só amanhã quando acordar. Agora posso ser apenas aquele que vai dormir, aquele que apaga a luz, aquele que se cobra e reza por melhores dias, e fecha os olhos, e me deixo ser como um tapete que flutua me levando à Sherazade. Mais uma noite a zunir nos ventos, a lhe adiar o destino, a fábula. Quando durmo esqueço as luzes, os dias somem, fazem de conta que apenas serão amanhã. Agora, sou apenas aquele que não está mais aqui e em algum lugar escolhe as cores, as que não existem, que representarão o tempo do "pra sempre", do Era-uma-vez em lugar nenhum, da quimera. Ressono em paz. Persono. Sinto o céu, apago a Lua. E não sou mais nada. O tapete voa, sonho.

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