sexta-feira, 5 de março de 2010

O monstro



Monstro covarde, gritei no vazio! Ele não respondeu, não turvando o silêncio. Foi quando me dei conta que eu era seu alimento, se fartava da minha ilusão, do meu corpo e imaginação. E o dia se anunciou claro. O barulho da cidade, o vizinho e sua música, o arrastar de chinelos, gritos no posto de gasolina, brecadas e o relógio tique-taqueando em cima da pia, tudo isso me fez entender e ver a mesa vazia e um papel branco me chamando, modesto e faminto, super-herói:
- Eu sou tua ausência, me alimente, disse numa voz terrível e cavernosa. Tremendo, pulei da cama atrás de alguma arma que me defendesse. Ideias pularam de imediato em socorro e me fizeram segurar a minha lapiseira que escorreu em linhas ligeiras e me fez compreender que ela era minha borracha de apagar o vazio. Desenhei, escrevi, obrei avidamente, preenchendo todo o branco, contudo sabia que era verdade - aquele monstro habitava o não-existir, o vácuo branco de qualquer coisa, um perigo ameaçador, era a insanidade. Tanta ameaça combatida pela simplicidade do ato de apenas fazer, de apenas existir para matar o animalejo. A lapiseira corria célere, lutando ferozmente contra dentes afiados pela censura e o serralheiro do Não. E assim foi. Com ela consegui apagar o monstro da minha mente. Desenhei uma chave, passei cadeado completando todo o branco e tranquei a fera em sua própria ausência. O papel cheio de invenções, desenhos, versos, obras, rimas e uma nova e vibrante criação surgira. Estava livre, ele morrera, eu triunfara! A luz da manhã brilhava e o dia começou.

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