sexta-feira, 5 de março de 2010

Ponto cego


Ontem viajei até a linha do que não sei e achei o ponto que não havia, talvez porque ali ele não parasse, visto que a linha é um ponto a se mover, a se mudar, trânsito. E este estava entre o que me lembro e o que esqueci. E não havia sentido que eu entendesse por ele, e esse, se houve, se perdeu por ali, assim no ar, no não-ser. Ir tão longe... e tudo é ainda como se estivesse tão perto, percebo isso o tempo inteiro - o conhecido muda, é movimento, o que já verei, o que já senti, o que já passou. Parece erro, mas é o que é certo desde que os meus olhos abriram e eis a mim há existir! Então, aí feliz notei pelo chão, em dado momento, tantas formigas a correr, correr. Uma à uma a se encontrar e continuar para algum lugar além da linha, atrás do ponto, transponto, translinha, transporte, horizonte. Mas, aquele por ali onde se perdera o ponto com todo o sentido que pudesse haver em um ponto que andava, eu ainda não encontrava como sendo parte das minhas lembranças, não determinava qual seria seu caminho. Como o ponto se perdera? Sei, contudo, que estava feliz de só ali estar e ver as formigas a correr e agradecer que viver é se alimentar de se mover, o universo e o tempo foram feitos assim - da vontade de movimento a criar o espaço em rodopios. E continuei a olha-las até o momento em que apenas podia sentir à mim como uma daquelas formigas e isto já era tudo, como aquele ponto cego na linha do que não sei. Pois, alguém foi generoso ao me parir, alguém me deu esta chance, alguém...me pôs a existir para que eu estivesse ali sem entender, sem lembrar, sem saber, como um cego. Mas, o que importa é se estou ainda a me mover e a observar para perceber que o milagre é ver além do que o ponto cego vê - uma imagem que por certo um dia já percebi, mas que não me lembro, esqueci. Porém, então foi que percebi que ele só voltaria a ter sentido e ser lembrado se sentisse o valor do que já vivi, se eu enxergasse em mim a linha que eu mesmo havia traçado e o valor do que eu aprendi quando a risquei, que às vezes, num universo curvo, tem de se voltar quase ao começo para daí partir para um ponto mais alto antes inatingível. E aí sim, o ponto cego voltaria a enxergar - além do ponto, além de tudo que um dia eu mesmo vi. Transpirei. Sorri perplexo. E foi isso então que escrevi.

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