domingo, 30 de setembro de 2012

Libertas quae sera tamen

                                                                             foto de Hengki Koentjoro
                                   


Idealizo tudo na amplidão

a liberdade a luz intera

sentir é o que penso aqui

permitir o novo é o que gera

que se aceite aquilo tudo que vem

e tudo que não se espera e que chega, zera 


Assim mais vale ter a questão

e com ela fazer as pazes, seguro, tranquilo

se divertindo entre quimeras

que encontrar a solução

no final torturante

por abrir a jaula das feras

sábado, 11 de agosto de 2012

O labirinto

                                                                                      foto de Henri Cartier-Bresson NY1947
                                                                                                            


um lugar esquecido de Deus
esse estranho lugar
entre o será e o ido
que me veste
de um mundo perdido
ou me despe de tudo
que se perdeu


ali
onde tantos dias se seguiram
e não revelaram ainda
o que será cumprido
como um segredo das tumbas
todo esquecido
um Vale dos Reis
onde só os tempos existiram
e aonde ainda vive fremente
o que sou eu ou o que faço em mim
e que necessariamente
se escondeu


esse vazio cheio
de espanto
esse retiro
esse convento
esse circo
prisão
ou paraíso

não há jeito
não há riso
talvez apenas
só um aviso
ou grito
ou acalanto
e mais uma vez
minha mão tremeu
talvez
um som poluído
com tudo isso
que acontece 
mas caminho e espero
no vento do inimaginável
que de fato em minha alma
se rompeu

esse vão desconhecido
que me persegue
não esmorece seu compromisso
em nenhum canto
mesmo num lugar longínquo
do hipogeu

o carrego cada segundo
enchendo
do meu vivido
esse espaço que à mim
corresponde
projeto do que não sei como existe
ou de como se deu

ainda bem que não sou nenhum santo
nem nada parecido
apenas um ser procurando saída
espanto
atrás de espanto
ao seguir seus dias
com sua presença
atrás do fio para a saída
que é cada linha, a suma verdade
que sempre sonhante de si escapa
como um destino que trama ou intui
e no caderno do fim dos dias
rindo
escreveu


                                                                                                             foto de Brassai

Delirio

                                                                                                                  foto de Andre Kertesz




Como ser tamanha quimera
se nem sei como que fui o que fui
se afasta de mim ser aqui na vera
o que foi de mim que não flui

E assim parte a ser tal assombro
da divisão dos caminhos seguidos
não resta de mim só escombros
não deixa tantos anseios assim perdidos

porque não anseia o que não se vela
pois este é o sinal de todo o desejo
senão como querer o que não se observa
e se não o vejo, como então o cortejo

Assim delineia-se uma conclusão
pode ser que eu não seja o que imaginei
talvez melhor ou pior conforme a ocasião
mas ainda resta o porvir do que eu não sei

e este eu o quero que venha de nada eu sabendo
para que seja o que reaja com autenticidade
assim se aflorará o que há de mim de verdade
se for o que sonho assim não mais sonharei eu o sendo




terça-feira, 3 de abril de 2012

As muralhas e as serras brancas



     Constrói-se muros. São de pedra, cimento e argamassa. Outros são de granito, magmas impenetráveis ao olhar. Muros e mais muros. Tantos muros a não deixar uma fresta, restos de imagem, uma aragem, um sopro, movimento. Calafetam-se, erigem-se aqui e ali. Outros fragmentam-se. Caliça e ciscos, parede de olho. Isso quando os podemos ver - nem todos protegem a China. Outros são só ruína.
     Há os de massa óssea, carne e pele e neurônios, massa de uma farinha que não se percebe, acostuma-se. São pedras que deixamos por acaso, enquanto andamos de janela em janela, a desviar do assunto dos muros. E eles vão crescendo por dentro, separando os sentimentos - um quarto para a aflição, uma sala para a dor - que tranco e esqueço, um quarto para o prazer - que à toda hora eu volto, um quarto de portas abertas para o querer, um mal iluminado e confuso para a ilusão, um compartimento para cada coisa que já sentimos.
     Mas as alegrias não. Elas se espalham no jardim, espaço aberto, gritam pela casa, riem, brincam, e outras até correm por dentro de mim. Fartam-se em piqueniques na grama, molham as saias no capim da manhã. E, à frente, ficam as muralhas das serras brancas.
 - Que serras brancas se não há montanhas com neve por aqui? pergunto encimesmado.


Será porque no íntimo todo frio é abstrato?  E lá ? Quem fica lá, se gela os pés, se resfria a coluna, adormece a pele, tudo se endurece? continuo abestado.
 -   É simples, respondo à mim mesmo. Lá mora o pavor, o medo absoluto. Então se tem medo e se o medo é o mais frio, é então o melhor construtor. Sua alvenaria é mais sólida e branca, firme cantaria, tudo feito de gelo mais duro - o da tristeza. Os operários não dormem porque gelam de pavor, tremem, sacolejam as carnes e assim fazem crescer as mais altas muralhas, para lhes compensar o tremor, e também como defesa da vergonha de ter medo, que traz consigo todas outras vergonhas. 
    Os muros são humanos e são a cara do medo. E são tantas voltas emparedadas quantos pensamentos que nascem.
    As alegrias não, dissolvem o gelo das serras brancas, conhecem as portas, as aldravas, abrem todas e sobre as portas colocam aquelas placas de wellcome, benvindo, e as espalham por todas as casas muradas das serras brancas e enquanto perguntam se por ali  é perto do Polo Norte, se alguém pode emprestar um trenó.
     Lá nas serras brancas há uma cidade. Essa cidade é de paredes brancas, mas as casas não tem tetos, os habitantes podem crescer cercados, caramujos de si, a ter medo.As muralhas vão crescendo levando a cidade junto, até o fim da estratosfera. Tão alto, que então os moradores percebem que também são como habitantes da Lua. Aluecem na gravidade zero e voam para o infinito. E, de repente, lá do alto percebem como são pequeninos, quase nada, como as serras brancas.
    As alegrias não, sempre o souberam. Não conhecem os muros brancos pintados de cal, nem os brancos porque se cobrem de neve e gelo. Sabem até que as serras nunca existiram, nós as construimos mentalmente. No íntimo, toda essa arquitetura é invisível, todas são limites da imaginação.
    As alegrias não, não tem limites. Brilham nos olhos e saltam aos céus. Flutuam. Estão por toda parte!Veja! Lá vai uma!

                                                                                               foto de Albert Lamorisse




quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

     O caderno está aberto de novo. Aqui estou eu a me esconder entre as folhas. Sigo cada linha como um dever para comigo. Mas, às vezes, por esse caminho azul a escorrer, chego além. É o único local que me acolhe, esse agora. Aqui posso ser eu, é a minha intimidade a desenrolar em cada linha. Os espaços, as linhas e as letras são amigos silenciosos, seguem-se, abraçam-me, dilatam-se para escutar o que me grita e traduzi-lo. O que me é certo é que agora os olhos os lerão e, como todos os meus amigos, continuam silenciosos, inertes. Me observam estáticos, passam minutos, segundos, todo tempo, sem parar de me olhar. O lápis segue as linhas afoito, aflito. E vai rabiscando, escrevendo, contando tudo como eu conto para os meus amigos mais chegados. Esse é o caminho da redenção.
     Mea culpa, mea maxima culpa, me respondo. E nada. O quarto em silêncio, os amigos escutam - apenas estalidos indefinidos aqui e ali. O escuro, o frio, estou só. Deus me perdoe! Continuarei a escrever até que as letras formem um só vocábulo, aquele que não me deixa ter sono e é tão simples de lê-lo, mas a mim luto, me degladio em escrevê-lo, como ao olhar em um espelho e ver toda a realidade de quem você é,  porque as letras formam uma verdade terrível e tola que grita, berra. E vocês sabem qual é claramente,conhecem bem a palavra que é: - Acorda!



  

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

olhos fugitivos



súbito levantar
e a noite me escapa
a consciência turva sob o lençol
lenta do tempo inconsciente
algo que me angustia
me chama ao quarto apagado
agora deserto sem areias
agora espaço preso no escuro sem ventos
marcha sem passos, sem scirocco ou sem simun
entre o que se passou e o que não foi acabado
corrida sem aventuras
dormência na vertigem da alma


será esse momento como a caravana a vagar entre as dunas dos meus mistérios?
será que dá voltas sem ver a cidade ao longe
ou algum oásis, que nos descanse do que vai acontecer?
será melhor, então, me agarrar as lembranças
ou imaginar logo o que, com o amanhã despontando, devo fazer?



                                                                                                foto de Weston


ou será que é melhor me despojar de tudo
e inventar um novo despertar, um novo diálogo
esquecer os dias passados, tormentos e agruras
e sorrir para o feliz futuro que desejo que aconteça?


será esse amanhã a manhã do último dia?
a inescrutável questão de todo os dias
e todas as noites
e todas as horas
e todos os segundos
e do justo agora?
na verdade, tudo me apavora
não sou um super herói que a platéia adora
antes parvo observador das horas
temeroso aventureiro do acontecer
que pelo andar da carruagem
estacionou-se em contemplar o precipício
que despenca para dentro de sua mente
e divorcia do amor que tem pelo dia
e se amazia com o ávido prazer
que a atmosfera em breu lhe tem a oferecer
sabe-se impotente para os minutos
que escorrem pelos dedos
lhe cegam
lhe entopem
lhe afogam na areia do deserto
gigantesca ampulheta
que nenhum caminho evita por desvios
para que veja o mundo se esquecer

melhor me fazem os olhos
que não mais procuram um qualquer futuro
o que ainda não se pode prever
e descem a cortina do distanciar
do sobressalto de tanto murmúrio e incógnitas
desligam a luz do cômodo
e tudo se apaga
e deixam o sono me conhecer
e sonho
Boa noite!







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