segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tensão Flutuante



                                                                                         foto de Kupstas Grow


beirando a delicadeza
sempre encontrei o estranho
tamanho diminuto, vultos que não existem
um arame fininho, um frágil cabelo, cores pequenas
a baía vista lá do alto, do espaço
o sono bisonho das tardes
e a mosca que dorme lá dentro
sonho




                                                                                              foto de B.A.Bosaya


tic tuc
tsé tsé
patinhas
patinhas de camelo
são como girafas
todo sossego

acordo, às vezes
como num conto de Hemingway
mas é África
sei pela cor de barro sujo
dos pelos das feras
e pelo calor primitivo
que rasga com seus dentes
o pensar



                                                                                      pintura de Mark Tansey



não tenho arma
me defendo com os olhos
e se a selva não entende a mensagem
ao tan-tan das pálpebras
me entrego
e acabo por me libertar
sem ferir quem me sangra
dissolvo o cenário
acordo aonde quero - minha cama
não enlouqueci

a noite abraça um cinema grátis todo aceso
o prazer de quem olha é sua própria indiscrição
eu me vejo nu correndo
o pavor vaza pelas correntes de ar
é pardo
ao léu sonho
a África ainda habita dentro de mim
e de mim vaza



                                                                                           foto da National Geographic


às vezes, tem um beijo
quero e sou o objeto da paixão
Mastroianni quando quer também
grita por dentro de mim
Cabíria, Ginger Ale e bloody mary
os lábios são malvados, vermelhos
são de Betty Davis, não sou eu
rugem como rouge
os vermelhos são das tempestades
congeladas
os lábios frios
pelos cálices que me engolem
e tudo isso é desejo
selva
furor
África



                                                                                        foto de B.A.Bosaya



podem ser micróbios ou insetinhos sonhados
mas tudo vem muito grande para mim
são dinossauros, raros monstros
baleias de uma sala de museu
dos absurdos
o estranho cotidiano ressona
dorme, sonha ainda com o sol
o hipnagógico gosto gótico
pelo incontrolável
transcendência


tuf tuf
tsé tsé
são as patinhas da mosca
do sono das tardes
seus olhos são olhinhos aos milhares
e cada um tem um unicórnio
menor ainda
e esses unicórnios
cada um deles
sou eu







2 comentários:

  1. Sempre pensei que o estranhamento fosse a essência da poesia; quão musicalmente estranho é o zumbido da mosca, seja no sonho, seja na África.
    Linda é a voz do estranho que emerge do silêncio de suas palavras.

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  2. Obrigado por suas palavras sensíveis e inteligentes! É uma honra esse comentário! Abraços

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