Estou aqui nessa jangada cheia de naufrágos, porque tudo que
conheço afundou, aliás, porque sou sobrevivente do apocalipse.
E todo mundo me pergunta :
- Que apocalipse?
Eu digo:
- Do apocalipse que passamos ainda ontem, não se lembra?
Nós estávamos na casa de um amigo, que eu não via há
muito tempo, e tudo começou a desmoronar, a ruir.
As águas do mar, até então pacíficas e sujas, se revoltaram não sei
com quê, e se tornaram limpas e transparentes, mas rebeldes e tão
violentas que passaram por cima de Ipanema e do Leblon,
limparam toda a Lagoa e foram bater aos pés do Cristo que nada
fez, continuando a olhar para o espaço, como se nada existisse,
e o mundo não soçobrasse em pandarecos, talvez para dizer mais
tarde :
- Eu não disse!
E foi o tempo de reunir minhas coisas e meus amigos e minha mãe
e colocar todo mundo nesta jangada feita de uma cama de casal
abandonada e pneus de caminhão, amarrar tudo com cordas
feitas de cortinas rasgadas e rezar a Deus perguntando o porque,
porque, porque tudo em pandarecos, se agora parecia que o
mundo ia acalmar, se agora que tudo parecia ter se recobrado
do seus momentos mais violentos; e que o mundo não pensava
tanto em guerras assim e esse amigo voltou com a sua ex, e eu
não voltei com ninguém, porque assim o destino queria; e a crise
econômica se debelava, o mundo se mobilizava contra a poluição
e os abusos contra os direitos humanos e a Internet.....sim, pode
ser, a Internet, talvez a Internet seja a agora causa desse transtorno
todo, com aqueles sites abusivos, aqueles mentiras que se despejam
se fazendo de verdades, ou aquela falta de tempo para o mundo real
e tudo tendo menos importância que poderia ter; se nunca houvesse
essa ansiedade de teclar para alguém que você nunca viu na vida e
lhe confessar coisas que nunca diria para o seu amigo mais íntimo,
porque saberia que aquela seria a última vez na vida que aquela
pessoa ia lhe ver ou falar, porque vocês não representavam nada
um para o outro, como ninguém representava assim tanto para
qualquer um, porque se perdia como um eco reverberando entre
a montanha e o mais além do infinito e assim por diante!
Essas montanhas que agora desmoronam, como os sonhos
mais altos que qualquer pode ter e não criam uma base com
fundamentos para que esses sonhos cresçam e fiquem azuis e
brilhem para sempre e se multiplique com os votos mais
fervorosos de sucesso de todo mundo.
E agora estamos nós todos aqui, nesta jangada, à espera que alguém
nos reconheça ao longe e venha nos salvar dessas ondas, dessas
ondas vingativas contra os pensamentos do homem, sempre contra
os pensamentos terríveis de alguém, e nos cerca com esse mar fundo
e negro, cheios de peixes famintos, assim como vivíamos cercados
de ganâncias, mesquinharias, bens cada vez mais sofisticados, mais
acessíveis, mas que se quebravam como um cristal delicado e frágil
à menor respiração, ou folêgo descentrado, ou jeito estabanado.
E não adianta virem de novo em perguntar que apocalipse, porque
vou ter que responder de novo, e de novo, que sim somos naufrágos
de um apocalipse, e eu mais ainda, porque não verei você
ao acordar, e não ver você de novo é como se o mundo
tivesse tido um apocalipse e eu desse sonho medonho nunca
mais pudesse acordar. E só você pode me salvar dessa loucura,
porque não sei mais como tirar essa sensação de que o mundo
se foi, de que o mundo não é mais seguro, que todos se afogam
nesse fim de mundo e de que o mundo não é mais sua voz, nem
quando dizia bobagens, porque você não diz sandices, não diz
nada que não seja pertinente, nada que se jogue fora, porque
você dá sentido à tudo e ao mundo. Já eu, não saberei
mais como é chegar em terra firme e dizer - voltei por você!
2012 O fim do mundo - o filme
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