sábado, 3 de abril de 2010

Apocalipse

                                                                                                                                  A Jangada da Medusa- Géricault



Estou aqui nessa jangada cheia de naufrágos, porque tudo que

conheço afundou, aliás, porque sou sobrevivente do apocalipse.

E todo mundo me pergunta :

 - Que apocalipse?

Eu digo:

- Do apocalipse que passamos ainda ontem, não se lembra?

Nós estávamos na casa de um amigo, que eu não via há

muito tempo, e tudo começou a desmoronar, a ruir.

As águas do mar, até então pacíficas e sujas, se revoltaram não sei

com quê, e se tornaram limpas e transparentes, mas rebeldes e tão

violentas que passaram por cima de Ipanema e do Leblon,

 limparam toda a Lagoa e foram bater aos pés do Cristo que nada

fez, continuando a olhar para o espaço, como se nada existisse,

e o mundo não soçobrasse em pandarecos, talvez para dizer mais

tarde :

- Eu não disse!

E foi o tempo de reunir minhas coisas e meus amigos e minha mãe

e colocar todo mundo nesta jangada feita de uma cama de casal

abandonada e pneus de caminhão, amarrar tudo com cordas

feitas de cortinas rasgadas e rezar a Deus perguntando o porque,

porque, porque tudo em pandarecos, se agora parecia que o

mundo ia acalmar, se agora que tudo parecia ter se recobrado

do seus momentos mais violentos; e que o mundo não pensava

tanto em guerras assim e esse amigo voltou com a sua ex, e eu

não voltei com ninguém, porque assim o destino queria; e a crise

econômica se debelava, o mundo se mobilizava contra a poluição

e os abusos contra os direitos humanos e a Internet.....sim, pode

ser, a Internet, talvez a Internet seja a agora causa desse transtorno

todo, com aqueles sites abusivos, aqueles mentiras que se despejam

se fazendo de verdades, ou aquela falta de tempo para o mundo real

e tudo tendo menos importância que poderia ter; se nunca houvesse

essa ansiedade de teclar para alguém que você nunca viu na vida e

lhe confessar coisas que nunca diria para o seu amigo mais íntimo, 

porque saberia que aquela seria a última vez na vida que aquela

pessoa ia lhe ver ou falar, porque vocês não representavam nada

um para o outro, como ninguém representava assim tanto para

qualquer um, porque se perdia como um eco reverberando entre

a montanha e o mais além do infinito e assim por diante!

Essas montanhas que agora desmoronam, como os sonhos

mais altos que qualquer pode ter e não criam uma base com

fundamentos para que esses sonhos cresçam e fiquem azuis e

brilhem para sempre e se multiplique com os votos mais

fervorosos de sucesso de todo mundo.

E agora estamos nós todos aqui, nesta jangada, à espera que alguém

nos reconheça ao longe e venha nos salvar dessas ondas, dessas

ondas vingativas contra os pensamentos do homem, sempre contra

os pensamentos terríveis de alguém, e nos cerca com esse mar fundo

e negro, cheios de peixes famintos, assim como vivíamos cercados

de ganâncias, mesquinharias, bens cada vez mais sofisticados, mais

acessíveis, mas que se quebravam como um cristal delicado e frágil

à menor respiração, ou folêgo descentrado, ou jeito estabanado.

E não adianta virem de novo em perguntar que apocalipse, porque

vou ter que responder de novo, e de novo, que sim somos naufrágos

de um apocalipse, e eu mais ainda, porque não verei você

ao acordar, e não ver você de novo é como se o mundo

tivesse tido um apocalipse e eu desse sonho medonho nunca

mais pudesse acordar. E só você pode me salvar dessa loucura,

porque não sei mais como tirar essa sensação de que o mundo

se foi, de que o mundo não é mais seguro, que todos se afogam

nesse fim de mundo e de que o mundo não é mais sua voz, nem

quando dizia bobagens, porque você não diz sandices, não diz

nada que não seja pertinente, nada que se jogue fora, porque

você dá sentido à tudo e ao mundo. Já eu, não saberei

mais como é chegar em terra firme e dizer - voltei por você!



                                                                                 2012 O fim do mundo - o filme






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