Eu sou o Marcos Vasconcellos. Aqui eu escrevo o que me der na telha, o que me vem na hora de dormir, quando estou num onibus, ou no meio de um papo chato!
domingo, 21 de março de 2010
À Fernando Pessoa
Meu mestre incorrupto e morto está
não fui eu quem viu, mas alguém me disse
e se perdeu no mundo
que incorrupto e morto está
com os olhos de ver a alma lá no fundo.
Porém, se a alma já voou
como há muito já voava
ao tecer poesias
em que em letras levitava
é ainda como se toda ela ainda ali estivesse
quando no corpo morava
e ainda se enternecesse
e risse, risse, risse
mesmo como quando com os olhos úmidos
o coração com as águas do Tejo
se inundava.
pintura de Almada Negreiros
Meu mestre morreu tanto tempo antes que eu nascesse
e já incorrupto e morto estava
e já há muito rindo, rindo, rindo
e já me ensinasse
ainda respirando o sopro dos navegantes do passado
ou os pingos reticentes de Lisboa
que numa tarde houvesse contado
que chamava a gente, nas casas, de solidão
que o insofrido só imagina, ou não
e o mar de lusos
o rebanho sonhado de uma nação.
Então, em espectro segue quem ali nasce
e se adianta em leveza,
inspira a sua imaginação.
Pedras não leva, mas o profundo sim.
Sábio dá a outra face e os muros não eleva
mas, leva bilhas, colhe águas, renasce
lava os olhos
e enxerga em tudo navegação
por dentro dos segredos trancados , no esquecimento das lágrimas,
no chão.
Mas seu ar é singela excelência
sabe a quem molhar o rosto e enxugar a face, secar o dessassosêgo
como se maravilhas transpirasse.
Sua mestria é mansa, a vida - a escola,
o coração - sua classe, sua dança
Não parece que morreu e sim que nasce
apenas ali deitado
como um corpo de nuvens à flutuar
e apenas ali descansasse.
ilustração de Gustavo Doré
Mas não morreu
trocou de lugar com Gabriel
a tocar em alguma orquestra lá em cima
e as pombas do Espírito ensina
como devem ser todas as pombas.
E desarruma a mala de Nossa Senhora
joga as meias da alma fora, colore as nuvens com aroma de rosa
e lambuza de mel a aurora
picha os dourados dos mantos dos santos com spray invisível
para que os embasse
e só a luz de suas auras de brillho nos ofuscasse
de par em par, abre todas as janela do céu
conta à Deus suas piadas de tabacaria
e O beija na bôca.
Sente que Lisboa não vê ainda o sol
e sua alma se espalha, tudo ilumina bela e louca.
Os inconformados serão sempre os inconformados
mas, os outros não, percebem a metafísica.
Porém, o inconformados insistem, são até o fim os inconformados
não contam redemoinhos, não sujam as pontas dos dedos com doce
não vêem que o mestre incorrupto e morto está
sorrindo e sentado na porta do Além
a pensar porque o mundo lá embaixo
é do céu um pequenino e ázigo trem
brinquedo tolo e colorido para sempre em eterna infância
que quando não quebra
apita e faz soltar fumaça
pelo nariz de alguém.
À Fernando Pessoa
que diz-se
que foi achado intocado, perfeito
quando aberto seu túmulo.
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