segunda-feira, 8 de março de 2010

Arábica
















Uma pequena e bela mulher deitada
sobre os azulejos
do chão geométrico
de um pátio oriental
é como uma cantárida zunindo
em seu voo ritual

água doce e louca
derramada em pingos
esguicho da fonte
no meio do vendaval

tanto calor
e a bela se ajeita
lentamente
sensualmente desamassa
as dobras invisíveis
de sua cerúlea calça

seu aspecto sedoso e puro
quase imaginário
tem a leveza mágica que comparo
com uma asa, juro
de um animal perigoso e raro

Na verdade
ela mesma é essa mosca
a fêmea que voa até o pensamento
da merenda distraída
e zunindo
pica de desejo embebida
o licor que sua essência oferece
enquanto finge
ser a presa inocente seduzida

E no fulgor e doçura
do ato amoroso
seu poder cresce, delira
até sugar a seiva morna
cara à sua vida
e tudo aquilo
que lhe interessa
a vítima sem se dar conta
dessa traiçoeira investida

Em sete véus envolventes
lança num messalino gemido
o invisível e prazeiroso tecido
em torno do parceiro ardente
como um princípe escolhido
eterno prisioneiro consumido
em uma noite de ardor caliente

Ela
sabe que no fundo
é a pequena e tosca moça
cheirando a sândalo e mirra
isca de voz rouca e gozoso grito
e que um dia
terminará seus voos curtos
pelo amor de um mosquito

Sua beleza irá adornar
outras fontes
ou a imaginação distante
do além-mar ou no Levante
e incendiar a alba
e fantasias perdidas
ou de quem lá as encontre
e as cante

O tempo é areia caída
a carne é doce
mas a digestão é rápida
a mosca lambe as patas
foi-se

Faz calor
a moça borboleteia as mãos
em um pátio de azulejos
só uma nuvem que não
é azul, flutua, passa
vê-se que voa
e uma mosca também
no calor só os insetos não dormem
essa mulher, não está à toa,
essa mulher ,como eu, caça.

Paris,
Isso é um delírio oriental em homenagem
à musica árabe que eu ouvi à tarde.
Cândido Mostero
27/9/1943

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