Eu sou o Marcos Vasconcellos. Aqui eu escrevo o que me der na telha, o que me vem na hora de dormir, quando estou num onibus, ou no meio de um papo chato!
quinta-feira, 3 de junho de 2010
A verdade e o invisível
falemos a verdade
e a verdade é que tudo é invisível
ou melhor
veio do invisível e se tornou visível
e nós percebemos esse invisível
quando pela primeira vez o descobrimos
quando nos deparamos com ele
ao abrir os olhos para esse mundo inteiro
nos engolfando em um nada cheio de formas, sons e cheiros
e nos sentimos completamente sós e desamparados
nessa imensidão onde não vemos limites ou um fim
e então não entendemos porque vivemos cercados pelo invisível
quase nos afogando nele
quando aí o inalamos sôfregamente
até que algo por dentro se infla, não sabemos bem como
e vem um impulso como ao sair de uma prisão quente e abafada
que depois identificamos como um berro
ou choro
ou a vida
porém, o invisível não é apenas o que não se vê, o que não se toca
e sim o que se percebe pelo que não está ali
mas o que está em qualquer lugar onde não se existe
mas que mesmo assim
quer ser percebido, sentido
até que lhe doa a vista
ou que lhe fira os ouvidos
ou lhe contraia os intestinos e arda em sua pele
ou que mesmo enlouqueça a sua mente
como uma criança que não para de pregar peças e fazer arruaças
a lhe fazer doer a cabeça como se ela estivesse rachando
para que, enfim, quando você estiver à ponto de endoidar
num rompante de desespero, quando já olhar
para os móveis e eles lhe sorrirem, parecendo se mover
num frenesi como numa dança tribal e antropofágica de
seu próprio sacrifício doméstico em honra aos que não enxergam
foto de Sven Turck
e as estrelas fosforescentes, que brilham no imaginário
de qualquer estrela fútil e megalomaníaca de Hollywood
girarem, como num chapéu mexicano de um parque de
diversões lisérgico, enlouquecido por doses extravagantes
e abusivas de ayahuasca e marijuana
e quando para você não houver mais os pés sobre o chão
e nem cabeça lhe habite o seu lugar tradicional
em cima do pescoço e sob o céu cheio de nuvens
a lhe chover gatos pingados, molhados e arrepiados
e você num ato de derradeiro de subsistência, grite com toda
força de seus pulmões, arrasados por toda a sua vida de
excessos e irresponsabilidades marotas de sua adolescência
maluca e maturidade descompensada :
- Chega , me diz por favor o que você quer, que lhe obedeço
mas pare com isso agora pelo amor de Deus, por favor
tenha piedade! Eu lhe entrego o que você quiser, tudo
mas pare, eu lhe imploro! O que eu te fiz? Pare,agora!
e aí ele se volta, senta-se em sua poltrona favorita
sopra, por sua boca invisível, círculos de fumaça
de algum cigarro imaginário de uma grife divina
e , te encarando, resolve lhe dar uma oportunidade
dizendo meiga e suavemente
como se nada tivesse acontecido
que tudo que houve
foi para que saísse de si mesmo e se desse conta
do que havia ao redor, do que lhe cercava
e principalmente dele - o invisível
foto de Liu Bolin
e que sempre aconteceria isso, porque
ele existia ali, na sua frente, e que você não se dava conta
e que então faria isso até que percebesse toda
a carência que ele tinha de não ser, para que assim
se delineasse o seu vazio ou sua falta de alguém que lhe
abraçasse e que lhe pudesse dizer
olha, eu estou aqui
eu existo
e preciso de você
disse então queria ouvir isso apenas para que fosse aceito
e não lhe trouxesse mais qualquer medo
e que pudesse existir assim mesmo, invisível
e ser querido exatamente por ser assim
para que lhe possa penetrar por seu corpo e mostrar um lado
mais doce e belo, pronto a lhe servir
como a todo gênio humano sempre servi
para que me ordenasse
me organizasse
me harmonizasse
nas mais sublimes melodias, inesquecíveis harmonias
ou em ritmos atordoantes a lhes despertar o humano
e para que eu possa despertar a todos em poesia
para que ali enxergassem à ele - o invisível
foto de Michael Manheim
e para que eu despertasse também a minha invisibilidade
e me tornasse de alguma maneira invisível
porque os seres humanos são assim
tudo organizam
tudo arrumam
tudo enfeitam
e o mundo lhe faz então um sentido confortável
de ter sido pacificado e que há um controle
e querem assim mesmo, daquela maneira
o que não vêem
o que não compreendem
apenas sentem
intuem
mas não conhecem verdadeiramente o invisível
porque querem tudo visível
foto de Fred Lébain
porque os faz perceber que esse universo, como todos os outros
que podem existir por aí, não são nada, e que, mesmos eles
não são nada
o que os apavora de sobremodo
e que o invisível é sim
o imensurável
o desconhecido
o absurdo
o inesperado
o que não se pode entender sem ter medo
ou despertar o êxtase
o espanto ou até mesmo a felicidade
ou o amor
foto de Don Gregorio Anton
que é o próprio existir - a essência da vida
o movimento que, ao se cansar da imobilidade de ser um
de ser sozinho
e resolveu usar sua energia para gerar um deslocamento
para um talvez desconhecido
originando tudo em círculos
voltando sempre para si retomando energias
e partindo para novas aventuras
inventando tudo o que hoje há
como o espaço, o tempo
e tantas outras dimensões ainda invisíveis
e por isso imperceptíveis aos nossos toscos e insensíveis olhos
e que ali, agora, apenas se permite humildemente, que o ordene
para que o aceitemos, o adotemos como cria afável
que permite que se eduque para te ninar
ou mesmo te abraçar com seu corpo invisível e lhe passar calor
agradável, para que durmas sossegado, ou a lhe esfriar a pele
para que suporte o calor que lhe queima a pele, ou acenda
humores que turvem a mente e incendeiem o olhar
embora se entenda por aí , porque surgiu a arte
assim
do olhar
do que existe e por consequência está vivo, pulsa
foto de Madge Donohoe
mas, surpreendentemente, o invisível também pulsa , freme
e também habita toda e qualquer boa arte porque a transcende
com o mistério
com o que não se explica
com a aura
com o segredo de ser - não sendo, até que se o perceba
sinta-o
veja-o
ali muito mais vivo de tudo que é apenas visível
com todos os nossos olhos de ver além
e que não são esses dois espaçados na cara
separados pelo nariz
por exemplo
o amor é o invisível visto com os olhos do coração
e a alegria é o invisível visto com olhos do sorriso
o carinho é o invisível visto com os olhos da tocar
a delícia é o invisível visto pelo olhos do paladar
o perfume é o invisível visto com os olhos do desejo
a fúria é o invisível visto pelos olhos da tempestade
a melancolia é o invisível visto com os olhos da dor
e a pressa é ..deixa pra lá, não importa, não dá tempo!
eu, então
pessoalmente
aprendi que sinto o invisível
sempre presente como um companheiro imprescindível
a penetrar a minha mente e a tocar meu corpo e meus órgãos
ininterrupta e prazeirosamente
até que ele me diga porque ele se faz
urgente naquele instante, pedindo para ver sua a
sua configuração, a sua transparência que não habita
lugar nenhum, porque todos os lugares são sua casa
e onde estende o seu corpo que parece não-ser e se faz prazer
ou dor imensurável ou mesmo se aquieta
em sua quase inexistência
foto de Emmet Gowin
é como meu par querido, que eu sei que está ali
mas que nunca saberei com certeza qual será
sua manifestação
a receber tudo que se desfaz
ou a fazer tudo que é
e que veio dele
para que nós
com tudo o mais
partíssemos para conhecer o que pudesse acontecer
perdoando aos nossos caminhos
porque entende que apenas foi mais um caminho vindo dele
voltando até ele, como um círculo vicioso
o invisível que se faz visível, cria
e lhe tem afeto e precisa dele
e que à isso nós damos o nome de amor
e por isso voltamos ao invisível
por seu amor
mas que sempre estará por perto por que somos um só
vivemos não cercados do invisível , mas dentro dele
ou melhor somos o movimento que a partir dele
vindo dele,
e parte dele
nos fez visíveis, concretos, para senti-lo, para ama-lo
em seu infinito saber
o que adquiriu também por estar em nós
sobre nós
por nós
para nós
para sempre
como
o Eterno
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário