terça-feira, 30 de março de 2010

O tempo e o vazio

                                                             
                                               Picasso pinta- foto de Gjon Mili para revista Life



Quantas pinceladas se fazem para surgir uma obra de arte?

Uns dizem dezessete mil, outros de tantos pensamentos quanto um discurso de um filósofo,
ou de tantas palavras quanto um escritor precisa para rabiscar e depois escrever seu livro.
Outros se armam de uma profunda inspiração, inalando, se possível, todo ar da sala ou do universo, olham para o alto e decretam em tom messiânico, como só as mais altas divindades pudessem lhes escutar e lhes entender, que não há pinceladas e não há obra de arte e sim uma infinidade de volutas que atravessam a mente e o espírito de cada um; e que apenas pousar seus olhos além, isto é,  justo para essa superfície, que suporta a pretensão de meia dúzia de reis que reinam nas barrigas de quem as pinta, não lhes bastaria e que, sim, seria necessário lhes convocar as suas mentes. Os olhos são enganados, enquanto os cérebros, estes sim, privilegiados alçam seus voos mais altos para melhores e imortais companhias e que estes é que os fariam do êxtase o leito de sua fartura. Não era preciso esforço físico ou gesto material  para se fazer o que nenhum mortal alcança. E que o único esforço considerável é o de se ter uma ideia impossível e por isso transformadora -  é a que surge nos regenerando. Olhos piscam, mentes se acendem. Aplausos. Vivas.
E os olhos espertos então revistam, avaliam as condições financeiras dos fiéis adoradores que pretendem pagar o bilhete de viagem para o Parnaso prometido.

E eu?
O que eu faço?

Eu só pretendo
encher os segundos
e esse espaço enorme
e branco

esse papel qualquer
essas linhas
por onde o tempo
caminha, escorre
e desaparece
rindo de mim.






2 comentários:

  1. Texto de poesia ímpar, Marcos Vasconcellos. O processo é diferenciado de artista para artista, porém o mesmo não é determinante para a qualidade final da obra. Foi isto que entendi sobre o texto. Alguns são mais metódicos, outros mais espontâneos, porém o resultado como obra tornar-se relevante ou não é fato de interseção de inúmeros aspectos da realidade psico-social do artista que foge do nosso completo entendimento. Qualquer análise que fizermos sempre será parcial, a mente humana e seu processo criativo é um traço invisível que foge, resiste, as categorias mais complexas do nosso entendimento. O artista, mesmo em nossos tempos racionais e modernos, é um xamã, um curandeiro que não usa jaleco branco, que não cura de males evidentes, mas de estágios do ser que somente a estética e a experiência estática pode conceber.

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  2. Muito obrigado por essa visão tão analítica quanto honrosa sobre o que escrevi! Experiência assim são poucas pessoas que têm! Que Deus o abençoe!

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