domingo, 21 de novembro de 2010

olhos fugitivos






súbito levantar
e a noite me escapa
a consciência turva sob o lençol
lenta do tempo inconsciente
algo que me angustia
me chama ao quarto apagado
agora deserto sem areias
agora espaço preso no escuro sem ventos
marcha sem passos, sem scirocco ou sem simun
entre o que se passou e o que não foi acabado
corrida sem aventuras
dormência na vertigem da alma



                                                                                                                                                     foto de Weston



será esse momento como a caravana a vagar entre as dunas dos meus mistérios?
será que dá voltas sem ver a cidade ao longe
ou algum oásis, que nos descanse do que vai acontecer?
será melhor, então, me agarrar as lembranças
ou imaginar logo o que, com o amanhã despontando, devo fazer?

ou será que é melhor me despojar de tudo
e inventar um novo despertar, um novo diálogo
esquecer os dias passados, tormentos e agruras
e sorrir para o feliz futuro que desejo que aconteça?

será esse amanhã a manhã do último dia?
a inescrutável questão de todo os dias
e todas as noites
e todas as horas
e todos os segundos
e do justo agora?


                                                                               still da FundaçãoWilhelm Murnau



na verdade, tudo me apavora
não sou um super herói que a platéia adora
antes parvo observador das horas
temeroso aventureiro do acontecer
que pelo andar da carruagem
estacionou-se em contemplar o precipício
que despenca para dentro de sua mente
e divorcia do amor que tem pelo dia
e se amazia com o ávido prazer
que a atmosfera em breu lhe tem a oferecer

sabe-se impotente para os minutos
que escorrem pelos dedos
lhe cegam
lhe entopem
lhe afogam na areia do deserto
gigantesca ampulheta
que nenhum caminho evita por desvios
para que veja o mundo se esquecer

melhor me fazem os olhos
que não mais procuram um qualquer futuro
o que ainda não se pode prever
e descem a cortina do distanciar
do sobressalto de tanto murmúrio e incógnitas
desligam a luz do cômodo
e tudo se apaga
e deixam o sono me conhecer
e sonho
Boa noite!






quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Lacuna

                                                                                  foto de Rodney Smith
                                 

uma figura precisa de um fundo
um jornal precisa de notícias
um carro precisa de passageiros
um livro precisa de histórias

um dia precisa de sol
um caderno precisa de letras
uma carta precisa de confissões
um pássaro precisa de amplidão
uma questão precisa de respostas

nada pode ser o que falta
tudo é o que completa, se nada existe
nada se encaixa quando se está triste
tudo voa se o vento se faz uma borrasca
e se vai embora, agora não mais existe

o mar precisa de horizonte
um assobio precisa de sopro
a praia precisa de ondas
um castelo precisa de torres
a serra precisa dos montes

um doce precisa de lábios
um beijo precisa de desejo
um balão precisa flutuar
a rainha precisa de cortejo
a condessa precisa do conde
pra respirar preciso de ar

mas e quando se sente
que não se sabe o que lhe completa?
e se o que vier não der conta do recado?
mas se depois do que já está, ainda faltar uma lacuna?
e se o destino não for reinterado
mesmo contado as horas uma à uma?

e se nunca for uma linha reta?
e será que o futuro prescinde do passado?
mas se tudo isso não for uma verdade concreta
ou coisa nenhuma?



                                                                               foto de Rodney Smith


uma gaveta precisa de cartas
um pensamento precisa de liberdade
um movimento precisa de ideias
uma ressaca precisa de ondas
o homem precisa da verdade

um ninho precisa de ovos
um avião precisa das asas
os velhos precisam dos novos
dois corpos precisam de fogo
um vulcão precisa de erupção
e uma cidade das suas casas

e será que esse vazio se vai?
e se a estrada não for a lugar algum?
e se a dança se fizer sem música?
e se eu pular ao som do ritmo desse baticum?
e será que são necessário tantos acordes para ser uma manhã?
e virá o término do meu ser sozinho
e fará em mim o fim dessa vida vã?
e o ciclo se repetirá no seu caminho?
como saber o que em mim falta
onde acharei enfim o meu xamã?
onde é a caverna que se esconde um carinho?

um perfume precisa de colo
os travesseiros precisam de cabeças
um carinho precisa de sentimento
a ladeira precisa das rodas presas

um hino precisa de orgulho
uma festa precisa de alegria
uma rota precisa de uma caravana
a fogueira precisa de lenha acesa


                                                                                 foto de Rodney Smith



portanto, o mundo sempre está a se completar
embora o tempo que isso se faça, seja
por exemplo, todo o tempo a se formar
porém, quem espera sempre alcançará ou não?
contudo, sempre fará algum sentido o que virá
de onde esteja?
todavia , não seja o arranjo o perfeito exemplo

entretanto, sempre tantas esperanças há,
tantas esperanças , tão benfazejas
mas quem não tenta se exclui e não saberá a solução
nem o que ficará, estará a contento perdido
outrossim, terá algo a compreender ainda na mão





um baralho precisa das cartas
uma roupa precisa de botão
um corredor precisa de fôlego
uma bicicleta precisa de pedais
um arrependimento precisa do perdão

um animal precisa de comida
um automóvel precisa de gasolina
o céu precisa do azul
e um chinês da China

o teatro precisa de emoção
um cego precisa do que não vê
o ator precisa do momento
e agora comigo
eu apenas preciso de você



                                                                                                            foto de Blanc